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Hora de acabar o disse-me-disse e arrumar a casa; mãos à obra, mortadelas e coxinhas

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Garrafas quebradas no chão. Taças de champanhe abandonadas após um ou outro gole numa conversa distraída. O ambiente, outrora requintado e cheio, agora exibe a decadência do ocaso, a sujeira acumulada e aquilo que é pior que a solidão: a ausência, o espaço vazio, ocupado até há pouco. A alegria fugaz cobra o seu preço, pois a noite sempre termina, dando lugar a um novo dia. Os primeiros raios de sol derretem qualquer crença vã.

Em vários sentidos, vivemos o Brasil de um fim de festa. Após mais de uma década no poder, o PT sente os efeitos da noitada. Mais do que olheiras e um gosto amargo na boca, sente uma nação dividida com a eclosão de um neorradicalismo político, a vergonha do petrolão, a ressaca das contas públicas em frangalhos e, por fim, a derrocada de um governo que se desfez em pedaços.

Foi-se o PMDB, aquele amigo baladeiro que só está ao seu lado enquanto o cartão de crédito não estoura e ainda resta alguma cerveja gelada no freezer. Sobraram alguns aliados que, embora estridentes no discurso, foram incapazes de impedir o desmoronamento da administração petista. Tal ocaso levou também para o fundo do poço a ideia do presidencialismo de coalizão, tão escabrosa quanto insustentável. Afinal, todos sabem que amigos interesseiros não têm limites e que deixarão sua festa tão logo ela se torne desinteressante.

Alguns se iludiram e, já no final, tentaram em vão aumentar o som, insistindo na continuidade da balada, mas a maioria dos convidados se foi, porque acabou a livre distribuição de comida e de bebida. Bem sabemos que alguns grupos –sejam eles sociais, políticos ou midiáticos– negaram, e ainda negam, desesperadamente a realidade do fim de uma era, do esgotamento de um ciclo.

A feição de Lula, no discurso da agora presidente afastada, se sobressai dos demais rostos que ali estavam por emblemática. O anfitrião, enfim, capitulou. Porém, engana-se quem imaginar que Dilma e o PT amargam sozinhos o “day after” da farra –a sociedade comprou uma história e paga o preço por isso.

Em dias de muros que cortam a Esplanada de fora a fora, é engraçado notar que o PT chegou à Presidência justamente pela confiança que foi nele depositada pela maioria da população –isto é, pela junção dos votos dos grupos que agora se hostilizam.

O radicalismo utópico, embora lindo em seu discurso, não ganha uma eleição sozinho. Faz-se necessário o convencimento da grande massa, do Brasil real –por vezes, apolítico–, daqueles que acordam cedo para chegar ao trabalho no horário, das pessoas que lutam para dar uma sobrevivência minimamente digna aos seus dependentes ou que ambicionam uma simples melhoria em sua qualidade de vida.

Nesse ponto, o reducionismo brega “coxinhas” versus “mortadelas” perde o sentido. Todos devemos lembrar que, em 2002, Lula obteve a vitória após um forte trabalho de marketing em cima de sua imagem, amenizando seu radicalismo político de outrora e cooptando a classe média, agora desprezada pelos arautos do lulopetismo.

Iludem-se aqueles que acreditam no movimento das massas fundado em razões filosóficas ou ideológicas. O sujeito, muitas vezes, não quer saber se o governo segue a linha de Marx, de Keynes ou do palhaço Bozo. O que ele quer é saber se há lisura no trato da coisa pública, se existem condições para o desenvolvimento social e para o exercício da livre iniciativa, se a saúde pública é de qualidade, se a segurança pública é eficiente etc.

Sinto desapontar alguns, mas, ao que parece, os milhões de brasileiros que invadiram as ruas pedindo não somente o impeachment como também uma transformação mais profunda na maneira de se fazer política nestas terras não são, em sua maioria, ricos filhos de classes abastadas que adoram o Olavo de Carvalho ou o Jair Bolsonaro. Talvez muitos sequer saibam exatamente quem são eles.

Embora a “intelligentsia” política nacional frequentemente se negue a enxergar, o grande contingente de descontentes, em verdade, é feito de figuras como: o João, que fez um financiamento imobiliário, em 2014, acreditando que manteria o emprego; a Maria, que precisou vender o automóvel recém-adquirido para sair do vermelho; o José, que, por razões financeiras, precisou retirar os filhos de uma escola particular e encontra, como alternativa, um ensino público em frangalhos e; o Antônio, motoboy desempregado que não tem mais como sustentar sua família e fica revoltado ao ser chamado de “pequeno burguês”, “golpista” ou demais adjetivos semelhantes.

É um contingente grande e inominado de rostos que se perdem na multidão e que, portanto, não cabem mais em dicotomias tolas. Nesse ponto, convém lembrar que não existem tributações específicas para petistas ou não petistas. Os hospitais do SUS não possuem alas específicas para “comunas” ou “reaças”, nem o empresário, ao falir, deixará de demitir o trabalhador somente porque ele usa uma camisa com o retrato de Ernesto Guevara.

O que temos, em suma, é a desordem de um salão abandonado, a consequência de um incontável número de excessos numa noite surreal e um grande evento que se tornou ultrapassado e sem graça, ao encontrar um fim.

Certamente, não faltará tempo para discutir quem comeu toda a comida da dispensa, deixando pacotes de salgadinho entreabertos e um rombo de mais de R$ 100 bilhões. Contudo, numa perspectiva otimista, urge seguir com a vida e colocar as coisas no lugar. Socialista, conservador, liberal, anarquista, “mortadela”, “coxinha” etc., seja lá como você se define, sugiro deixar a divagação temporariamente de lado, escolher um balde e um esfregão e começar já, pois há muito que fazer e o dia só está começando.

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