Silêncio que grita
Idosos do Nordeste vivem com o peso do esquecimento
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Na calçada quente de uma cidadezinha do sertão nordestino, dona Luzia, de 78 anos, senta-se toda tarde com seu banquinho de madeira, o mesmo que seu finado marido fez há mais de 30 anos. O tempo passou, o banco range, mas ela continua ali, olhando o movimento da rua, como se esperasse algo — ou alguém — que não vem mais.
No Nordeste, terra de sol escaldante, festas de São João, fé inabalável e resistência, também se escondem sombras difíceis de encarar. Uma delas é a violência contra a pessoa idosa — silenciosa, persistente e, muitas vezes, cometida por quem deveria proteger.
Dona Luzia, por exemplo, não apanha. Mas é ignorada. Seus filhos vivem na cidade grande, dizem estar “sem tempo”. Mandam o “pix” no fim do mês e acham que isso resolve tudo. O carinho, a escuta, a companhia, esses não têm código de barras. E o abandono também é uma forma de violência.
Em muitas casas nordestinas, o respeito aos mais velhos ainda é tradição. Mas há exceções dolorosas: idosos trancados, mal alimentados, privados da própria aposentadoria por parentes que se dizem “cuidadores”. Não se trata apenas de um drama familiar — é uma violação de direitos humanos.
Ser idoso no Nordeste é, muitas vezes, ter uma história rica, mas viver como se fosse um fardo. E isso diz mais sobre a sociedade do que sobre quem envelhece. É preciso enxergar que cada ruga carrega uma memória, uma luta, uma resistência — e que proteger o idoso é proteger a dignidade da vida.
As campanhas são importantes, sim. Mas nada substitui o afeto, a escuta, a presença. A violência contra o idoso não acontece só com gritos e empurrões. Às vezes, é o silêncio que mais machuca.
Enquanto o sol se põe no sertão, dona Luzia ainda está sentada na calçada. O banco continua firme. Ela também. Mas até quando?
