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Dias agourentos

Indígenas podem mostrar caminho da vida para todos

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Autor/Imagem:
Marina Amaral/Diretora Executiva da Agência Pública - Foto/Pedro França

O único motivo para continuar acreditando no Brasil nesta agourenta semana da pátria vem com cores e cantos e uma única bandeira, a defesa da vida. Foi esse o motor que levou mais de 6 mil indígenas a Brasília para travar uma batalha de Davi contra Golias no Supremo Tribunal Federal. Até agora, com sucesso: ao contrário do que se esperava, não houve pedidos de vista para interromper o julgamento, a PGR se manifestou contra o marco temporal, e o STF deve continuar a votação no dia 8 de setembro. A conferir.

Não são pelas vidas e culturas de seus povos apenas que os indígenas estão há mais de 10 dias acampados em praça pública, enfrentando assédio dos bolsonaristas e a agressão da polícia. Como lembraram os discursos dos 11 advogados indígenas que falaram no julgamento do STF, defender os territórios significa preservar o equilíbrio do meio ambiente, da biodiversidade, do clima, crucial para a vida de todos nós.

O argumento tem respaldo na ciência: os dados mais recentes do MapBiomas, monitoramento com o uso de satélites e inteligência artificial, que acompanha as mudanças no uso da terra (principal causa das emissões de carbono no país), demonstram que apenas 1,6% do desmatamento dos últimos 36 anos no Brasil se deu em terras indígenas. O maior fator para o desmatamento foi a agropecuária, que cresceu 44% em área ocupada entre 1985 e 2020.

Com um detalhe crucial: enquanto apenas 1% das propriedades agrícolas ocupa quase a metade da área rural brasileira, os indígenas defendem um patrimônio, sob todos os aspectos, comum a todos os brasileiros. Segundo a Constituição, as terras indígenas são da União, portanto, de todos nós.

“Não estão tomando terra dos índios. Estão tomando terra que é patrimônio público. Parece que ninguém está entendendo que está havendo um assalto à infraestrutura natural da nação. Se os particulares conseguirem ir para a briga, eles vão se apropriar de milhões de hectares de terra que são da União”, declarou nesta semana sobre o marco temporal o líder indígena Ailton Krenak, em entrevista ao Tutaméia.

Krenak é um símbolo da Constituição de 1988, quando arrepiou os brasileiros ao falar no Congresso sobre o genocídio indígena perpetrado por séculos – e ainda em vigor-, enquanto tingia o rosto com a pintura do luto de sua cultura.

Nada mais simbólico que seja ele a nos lembrar do risco que corre também nosso maior patrimônio imaterial, a Constituição Cidadã, construída com sangue, suor e lágrimas ao final da ditadura militar, e tão menosprezada nos últimos tempos.

“Na Assembleia Constituinte, eu só pude falar no plenário porque tinha 120 mil assinaturas de brasileiros me apoiando. Agora, os indígenas estão em Brasília sozinhos, por conta própria, levando gás lacrimogêneo e soco na cara de um governo que deveria ser confrontado pelo povo brasileiro. É uma vergonha ter um acampamento só de indígenas. Isso é apartheid”, disse sem meias palavras.

Mais do que nos envergonhar por essa atitude, precisamos aprender com os indígenas a abrir o caminho da vida entre os estandartes da morte que disputam o imaginário nacional nesse momento. Que o 7 de setembro sombrio nos deixe sedentos de luz. Da nossa própria luz.

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