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Evita tupiniquim

Janja encanta e renova o gás (com Beluga) de um enamorado presidente

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Autor/Imagem:
Mathuzalém Júnior - Foto Marcelo Camargo/ABr

Saudades do Brasil do sossego, da paz, da solidariedade fora do câncer, do futebol encantador, das praias sem arrastão, da geração Coca-Cola, das jovens tardes de domingo, da bossa-nova e dos cornos masoquistas, aqueles que levam chifre, mas não largam a mulher. Saudades de nossa fantástica autoestima e, principalmente, da saudável, mas inflexível rivalidade com os argentinos. Jair Bolsonaro e Javier Milei estragaram o que o papa Francisco levou pelo menos 12 anos para consolidar. A mútua babação de ovos chocos interrompeu um ciclo com o qual os hermanos já haviam se acostumado: a contrapartida para um papa portenho era a brasilidade de Deus.

Pior do que a bestial e recíproca ideologia, associada à simpatia congênita pela tirania, Messias e Milei parecem ter em comum a fofura dos imbrocháveis, a beleza do andar capenga, o falso sorriso largo e a paixão doentia pelo czar norte-americano Donald Trump. A diferença clássica entre eles é que Milei não deixará uma eterna ex-primeira-dama para seus confrades argentinos. Já tivemos melhores primeiras-damas, mas o que fazer se o destino nos surpreende mesmo quando estamos dormindo?

Por falar em surpresa, não se surpreendam se, em breve, Bolsonaro e Javier se sentarem lado a lado em uma mesa de bar do Caminito ou da Ceilândia para escreverem um samba canção com acordes de tango e batidas do funk para homenagear Tio Sam. Enquanto isso não ocorre, temos a obrigação de conviver (e bem) com a primeira-dama escolhida por Luiz Inácio. Independente, determinada e mandona, Rosângela Lula da Silva, a Janja, mulher que encantou e renovou o gás do ativo, animado e aceso presidente, pode não se parecer fisicamente, mas politicamente é hoje a nossa Evita Perón tupiniquim.

Famosa por sua elegância, beleza e por seu carisma, Evita conquistou para o peronismo de Juan Domingo Perón o apoio da população pobre, na maioria migrantes de origem rural, aos quais Perón chamava de “descamisados”. Ela foi figura chave de um regime ancorado no paternalismo e na demagogia. O que vivemos no Brasil não é mera coincidência. Janja ainda está muito longe de ser confundida com uma grande estadista, como foi Evita. No entanto, como foi Evita nos primeiros momentos de sua vida na política, Janja se mostra uma mulher seduzida pelo poder. Como semelhança principal, o caminho meteórico que ambas percorreram na vida pública.

A diferença é que o resplendor pessoal e político de Evita também foi meteórico. Durou apenas 7 anos. Nesse curto período, ela deixou o anonimato para se tornar uma das mulheres mais importantes e poderosas do mundo. Ela morreu em 1952, aos 33 anos. Janja dependerá da reeleição de Lula da Silva. Ou não? Vida longa à cidadã Janja, mas que ela não passe de primeira-dama ciosa, operante e viajante. Alvo diário da oposição, as críticas vão da falta de transparência em agendas com gastos elevados à forma como ela usa as redes sociais. O que ninguém pode negar é que o amor está no ar.

No mundo encantado do enamorado presidente Luiz Inácio Lula da Silva nem mesmo a viagem antecipada de Janja a Moscou preocupa o velho coração petista. Aliás, um presidente de terceiro mandato incomoda muita gente. Um presidente e uma Janja incomodam muito mais. Lula embarca nesta terça, 6, para uma série de viagens internacionais. O primeiro destino será Moscou, na Rússia, onde Janja está desde sábado (3). Não questiono a relevância de suas atividades, mas são seis dias de antecipação à comitiva principal. Também não duvido da honestidade da primeira-dama, mas, só para lembrar uma antiga história do imperador romano Júlio César, valho-me de um provérbio insuspeitamente atual: “À mulher de César não basta ser honesta. Ela tem de parecer honesta”. Pelo sim, pelo não, acho que Evita faria a mesma coisa.

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Mathuzalém Júnior é jornalista profissional desde 1978

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