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O janota

Joaquim almofadinha, o rapaz que amava a ele mesmo

Publicado

Autor/Imagem:
Eduardo Martínez - Foto Produção Irene Araújo

Não se tem notícia de que algum dia Joaquim Almeida havia se esquecido de pentear cuidadosamente as madeixas, antes negras, hoje com generosos tons prateados. Um janota, alguns poucos se atreviam a mencionar, enquanto a maioria guardava para si tais pensamentos. Talvez não passassem de invejosos, já que o gajo, desde sempre, atraiu olhares, a maioria, diga-se de passagem, furtivos, apesar de, não raro, alguns escancarados de moçoilas e mulheres, fossem jovens, fossem maduras, fossem viúvas, fossem até casadas.

Solteirão convicto após um noivado longo com a filha de um figurão, Joaquim não escondia seu rancor por conta do trágico final do quase enlace aos olhos da igreja e, por conseguinte, de Deus. Antes ninguém soubesse, mas como era de conhecimento público, melhor era mostrar indignação. Quem sabe, assim, não salvaria o resquício de dignidade? E que a culpa recaísse sobre a noiva, Maria Lívia.

O que se deu no dia do casório foi o estopim para uma crise que já se desenrolava desde o ano interior. Maria Lívia, no entanto, mostrava-se resiliente e, talvez por questões de etiqueta, evitou imbróglio desnecessário com o então noivo. Afinal, boba que não era, sabia que a corda tendia a arrebentar do seu lado, já que era a parte feminina do enlace.

Igreja abarrotada, a donzela aguardou por mais de hora no banco de trás do Landau 1978. Não adiantou, pois nada do almofadinha aparecer. Mas não porque ele tivesse desistido do compromisso, ainda mais que o gajo parecia ansioso para, enfim, saborear a tão sonhada noite de núpcias. O problema era outro.

Diante do imenso espelho do quarto, lá estava o Joaquim dando os últimos retoques há quase cinco horas. Quando o sujeito abria a porta para sair, eis que, no segundo seguinte, retornava para cofiar o bigode, arrumar a lapela, ter certeza de que o vinco da calça estava de acordo. Era um vaievém sem fim.

Joaquim, enquanto observava se os dentes estavam alvos que nem bumbum de bebê, se lembrou de dar uma olhadela na hora. Eita! Quase enfartou quando percebeu que estava mais atrasado do que regras de mulher grávida. Tratou de correr para a igreja.

Mal chegou, encontrou apenas um pequeno grupo conversando com o padre. Aproximou-se e, então, foi fuzilado por olhares de todos.

— Que papelão, hein, seu Joaquim Almeida!

— Padre José, desculpe pelo atraso.

— Atraso? Hum! Mas o senhor é mesmo cara de pau!

— Não me furto da culpa, padre José, mas cadê a minha noiva?

— Sua noiva?

— Sim, a Maria Lívia.

— Hum! Pois o senhor, caso queira se casar um dia, vai ter que arranjar outra noiva.

— Mas, padre José, o senhor acha que ela não vai me perdoar?

— Se vai te perdoar ou não, só Deus sabe. Mas casar na igreja, ela não vai mais.

— Ué, e por que não casaria?

— Porque, na falta do noivo, ela se casou com outro.

……………..

Eduardo Martínez é autor do livro 57 Contos e Crônicas por um Autor Muito Velho’

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