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Burro na cabeça

Jogo do Bicho mata macaco e tigre como um peru no Natal

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Autor/Imagem:
Wenceslau Araújo - Foto de Arquivo

Qual brasileiro vivo ou morto nunca disse que algo vai dar zebra? Maior loteria ilegal do mundo e a mais popular bolsa de apostas do Brasil desde 1892, o jogo do bicho é o que há de mais sério no Brasil, embora sirva largamente para financiar a nada séria corrupção. Apesar de contravenção penal e de estar intimamente vinculado ao samba, ao crime organizado, ao tráfico e às milícias, a cultura está enraizada no dia a dia da sociedade e movimenta bilhões de reais por ano. Antes que eu seja publicamente corrigido, informo que a zebra não consta dos 25 bichos da rifa zoológica. Estrategicamente, o primeiro é o avestruz e o último a vaca. O veado é o penúltimo, isto é, o 24. Longes um do outro, não há risco predatório.

Autor da associação entre a bicharada e a jogatina, o barão João Batista Viana Drummond, fundador do Jardim Zoológico do Rio de Janeiro, inicialmente em Vila Isabel, desde o início pensou em tudo. A história é longa, mas a ideia original era somente melhorar a frequência e as finanças do Zoológico. Pagando alguns tostões na entrada, o portador do bilhete que tivesse a figura do animal do dia, o qual era escolhido entre os 25 animais do local, ganhava um prêmio em dinheiro. O negócio deu certo, encheu os cofres do Zoológico e os bolsos de “empresários” denominados “banqueiros”, entre eles os touros Castor de Andrade, Turcão, Peruinha, Valdemiro Garcia, Toninho Drumond, Aniz Abraão David, Capitão Guimarães, Natalino José do Nascimento, o Natal da Portela, e Ivo Noal, todos com atuação marcante no samba carioca.

A exemplo de um papel timbrado de nascimento, batizado, casamento e óbito, no jogo do bicho vale o que está escrito, ou seja, o sortudo sempre recebe o equivalente ao que jogou. Embora carioca do subúrbio, não sou um habitué das bancas. No jogo do azar, normalmente a sorte foge do meu radar. O problema é que sou muito competitivo e jamais jogo se não tiver certeza de que vou ganhar. Mesmo que ele esteja em extinção, corro antes do bicho chegar. No entanto, contrariando os santinhos do pau oco, para os quais o bicho é contravenção, também não jogo na Mega Sena, uma ilusão para colar com durex.

Como só respondo por mim, não conheço nenhum vizinho de um amigo do amigo do primo do Manuel das Couves que já tenha ganho os anunciados prêmios da Caixa Econômica. Até hoje, somente dois baianos do tipo águias e gatos lograram êxito nas lotecas oficiais. Além do abençoado ex-deputado João Alves, que disse em uma CPI ter ganho 200 vezes em loterias, outra exceção foi o ex-deputado e ex-ministro Geddel Vieira Lima. Como um camelo sem corcova, ele mantinha R$ 51 milhões escondidos dentro de uma mala velha sob a cama onde nem dormia. Coisas da fajuta política nacional de cobras criadas. Aliás, mestres nos jabutis, os políticos são os arquitetos da nova era, algo com galos velhos em terreiros eleitorais de carneiros mansos.

Eles não correm no Quênia, mas parecem leões ou tigres correndo atrás das robustas emendas parlamentares. Também não são jacarés, sucuris ou ursos, mas, como os ratos, suas garras são capazes de farejar e alcançar longe um terno combinado, por meio do qual podem chegar a um tabuleiro cheio de verdinhas encaixadas. Políticos e seus sonhos financeiros à parte, conheço pessoas que dormem mais cedo para alcançar o reino dos sonhos, buscar inspiração e garantir um bom palpite. Dizem que anjo e rei são sinônimos de borboleta e de leão. Muitos filhos são sinônimo de coelho na cabeça. Já a teimosia normalmente leva ao burro, enquanto a grosseria só pode ser cavalo.

Craque no assunto e mais direto, Neguinho da Beija-Flor cantou no Sambódromo que sonhar com um rapaz todo enfeitado é batata: é pavão ou é veado. Mais realista do que o papa defunto, que se faz de morto para pegar o coveiro, o melhor dos mundos é lembrar dos apostadores ferrenhos e rotineiros do 17 e do 22, números do macaco e do tigre. A pedido do cachorro aloprado, essa turma chafurda como o porco, perde o timing e termina desgovernada e dormindo em pé como os elefantes na savana. Às vezes, tentam um golpe, mas, no período natalino que se avizinha, acabam como o peru, morrendo de véspera. Resumindo, o bicho tanto enriquece quanto apodrece quem não sabe sacudir direito no saco.

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