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Lei do povo

‘Justiceiros’ podem colocar Rio em ordem, mas sem abusar

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Autor/Imagem:
Mathuzalém Júnior - Foto de Arquivo/Rovena Rosa - ABt

Subir no clássico bondinho das ladeiras do Morro de Santa Teresa, assistir ao sol nascer na areia da Praia de Copacabana, andar na orla do Leme, Ipanema, Leblon, Praia Vermelha, Barra da Tijuca, são Conrado ou Barra de Guaratiba, sambar a noite inteira nas quadras do Salgueiro, Mangueira, Grande Rio ou Beija-Flor, visitar a Floresta da Tijuca, apreciar a natureza sobre as pedras do Arpoador, babar com a exuberante arquitetura do Museu do Amanhã, escolher o caranguejo que se vai comer na Pedra de Guaratiba, torcer pelo Mengão no Maracanã, tomar um chope no Amarelinho, curtir um show sob os Arcos da Lapa ou simplesmente dançar no ritmo que ajudou a ampliar a voz da periferia e o romantismo das comunidades.

Posso afirmar que, assim como o samba no pé, gostando ou não, o funk na veia é imperdível. Estes e outros centenas de mistérios naturais permanecem na memória dos cariocas que sofrem, mas não admitem que façam pouco caso dos cartões postais do Rio de Janeiro, a divindade em forma de cidade que, apesar dos famosos e eternos 40 graus, deixou de ser maravilhosa exclusivamente pela mão do ser humano. É o homem destruindo o que Deus nos deixou de herança. Sobrou pouca coisa das fazendas de café, do burburinho cultural, da gastronomia internacional e da Princesinha do Mar. Até a geral do templo mundial do futebol acabou.

Craques na baldeação entre os vários palcos da Mata Atlântica, os macacos-prego também tiveram de se readaptar ao novo modus vivendi dos nativos do antigo paraíso. Embora fora há anos, eu e meu amigo Zé Franciso, o Zé de todos os amores, sofremos com o Rio que não existe mais. Existe, mas não é mais nem a sombra daquele Rio de Janeiro que nos ensinou a ser pobre e preto com honradez e orgulho. Vencemos e não nos desfizemos jamais da cidade que nos formou. Entretanto, somos daqueles que deixam de lado a hipocrisia para assumir a dura realidade. Hoje, o lifestyle do carioca é somente um verbete do dicionário e a definição relativa ao conjunto de características, personalidade e valores que representam o modo de vida de uma ou mais pessoas.

É verdade que o Rio continua lindo. Todavia, não há mais diferenças entre muitas de suas localidades e a Faixa de Gaza. Enfim entregue somente nas mãos do ocupadíssimo Mestre Jesus, o Rio de Janeiro definitivamente não é mais para amadores. Abandonados pelas autoridades federais, estaduais e municipais, o Estado e o Município do Rio de Janeiro estão entregues à própria sorte. O resultado é que, certo ou errado, a sociedade perigosamente decidiu dar seu jeito contra a violência estabelecida em algumas regiões. Ainda é uma tendência, mas recuperar os grupos de justiceiros deve ser a solução para começar os trabalhos “caçando ladrões em Copacabana”, bairro que abriga os morros do Cantagalo, do Pavão-Pavãozinho e dos Cabritos e a Ladeira dos Tabajaras.

A ideia pode ser embrionária, mas o esgotamento do povo com a ausência do Poder Público é fato. Matéria publicada esta semana em O Globo revela que os “justiceiros” estão se mobilizando no melhor estilo dos esquadrões dos anos 60 e 70. Sou da paz, mas, se é para o bem da população ordeira e pacífica, que venham e façam o que o sistema corrupto de segurança não quer ou não pode (?) fazer. Triste e pouco recomendável. Contudo, se policiais irresponsáveis se paramentam de milicianos para negociar com o tráfico, por que representantes do povo não devem se travestir de caçadores de bandidos? O medo é que ocorra com os “justiceiros” o mesmo que ocorreu com os membros dos extintos esquadrões da morte. Na época, esses grupos paramilitares eram definidos como policiais que eliminavam marginais considerados irrecuperáveis.

Nos anos 80, o “colegiado” passou por uma inflexão, transformando-se em “grupos de extermínio”. O mais famoso Esquadrão da Morte surgiu em 1964, a partir da Scuderie Detetive Le Cocq, quando seus membros se reuniram para vingar a morte do detetive Milton Le Cocq. Milton foi um agente influente da polícia de então, assassinado por Cara de Cavalo, marginal que atuava na Favela do Esqueleto, hoje campus da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ). O problema foi o abuso de poder. Temidos e cruéis, alguns desses grupamentos, como o paulista Rota 66, passaram a servir à ditadura, cometendo numerosas atrocidades contra os que se opunham aos militares. Matador de bandido no Rio foi o anarquista Mão Branca dos anos 80. Anônimo, ele matou e deu vida aos policiais que adoravam matar. Desapareceu como nasceu, mas até hoje, das estrelas, incomoda a bandidagem. O jornalista Amado Ribeiro que o diga. Que seu nome não seja novamente usado em vão.

*Mathuzalém Júnior é jornalista profissional desde 1978

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