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Cannes

Leos Carax salta no vazio com o musical ‘Annette’

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Autor/Imagem:
Carolina Paiva, Edição

Quando Annette começa, a voz de Carax avisa o espectador. Por mais que seja um musical, não se deve aplaudir nem cantar alguma canção. Deve-se prender a respiração durante o filme, que, aliás, dura 140 minutos. Depois a câmera entra em um estúdio de gravação e lá está Leos Carax na mesa de controle com sua filha Nastya, cuja mãe, Yekaterina Golubeva, protagonista de Pola X, se suicidou em agosto de 2011. O público já está avisado: como nos cinco filmes anteriores do francês, é preciso entender a narração como uma reflexão sobre sua vida, e por isso Annette é tão desenfreado que acaba fugindo ao controle de seu autor, tão interessante quanto repelente em certos momentos (o tema de amor We love each other so much é bastante indigesto, embora sua entonação seja surpreendente no meio de um cunnilingus), com mudanças radicais de ritmo que vêm da música dos Sparks, dos irmãos Ron e Russel Mael.

Os Sparks e Carax escreveram um roteiro que mistura Nasce uma estrela, Um rosto na multidão, Lenny Bruce, Louis C. K., a cultura atual do sucesso e das celebridades, King Vidor e seu A turba, e a masculinidade tóxica. Como se o casal de Os amantes de Pont-Neuf habitasse certos ambientes de Holy Motors, seus dois filmes mais famosos. O resultado é, com este coquetel, imperfeito. Adam Driver, que não chegou a estar nem um dia inteiro em Cannes, sai fortalecido dessa batalha criativa. Ontem compareceu à abertura, cancelou algumas entrevistas e nesta quarta já não estava na cidade quando começou a entrevista coletiva. Interpreta um comediante, um provocador gênio da stand-up comedy, que se apaixona por uma diva da ópera, encarnada por Marion Cotillard, em uma Los Angeles entre onírica e perturbadora.

A primeira canção, So may we start, parecia escrita sob medida para a abertura do festival de Cannes pós-pandêmico (o filme está há um ano esperando a estreia e ainda não tem data de lançamento marcada no Brasil). Annette é a filha (uma marionete, em uma metáfora um tanto grosseira) que o casal tem antes da morte da mãe. Na tragédia, Carax acumula os elementos. Sete anos atrás entrou em contato com os Sparks e assim começou uma colaboração que às vezes desafina ao passar para a tela a música dissonante do grupo. Por outro lado, em outros momentos, como o protagonizado por Simon Helberg quando mistura uma conversa com a câmera com seu trabalho com a batuta como diretor de orquestra, se entende e se aplaude sua aposta, o que não deixa de ser também um olhar irônico ao ego dos criadores, em obrigou os atores a cantar ao vivo, algo quase inusitado nesse gênero.

Com apenas seis longas na carreira —e isso que fez os três iniciais, com Denis Lavant como alter ego, nos primeiros sete anos dos seus 34 dedicados à direção—, temos de agradecer ao francês por ao menos saltar no vazio. Na viagem cria elementos de indiscutível beleza (a floresta do cenário da ópera), mas outros em que a seriedade o vence, quando nem a música dos Sparks (sempre irônica) nem o gênero usado (o musical) vão nessa direção.

Na entrevista coletiva essa certa solenidade foi sublinhada nas palavras de Carax, de 60 anos, quando disse: “Fala de um mau marido, de um mau pai, de um mau artista, mas não tem um olhar indulgente. Não filmamos um julgamento”. Sobre os Sparks, lembrou: “Eles me ofereceram a música e a linguagem, que foi meu primeiro idioma, embora o tenha perdido um pouco. Não imaginei Annette, mas o trabalhei como uma ópera: você recebe o libreto e depois tenta criar um mundo”. Sobre sua paixão musical, evidente em seu cinema, ele explica que rodar um musical vem daí, de sua frustração “por não ter feito uma turnê tocando um instrumento”. E lembrou um músico habitualmente presente em sua obra: “Descobri David Bowie quando tinha 14 anos. Sempre quis fazer um filme com música, mas pensei que nunca aconteceria”.

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