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‘Liberdade, liberdade’, segura Celina e ‘abre as asas sobre nós’

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José Seabra - Diretor Editor/Foto Divulgação

Em 1989, quando o Brasil respirava, já há quatro anos, o ar puro então poluído pelo regime militar recém-findo, Niltinho Tristeza, com seus parças Preto Joia, Vicentinho e Jurandir, fez a alegria invadir a avenida com o samba enredo Liberdade, Liberdade, Abre as Asas Sobre Nós. A música virou sucesso e a Imperatriz Leopoldinense foi campeã do carnaval carioca. Ainda transportando para a época da ditadura, Chico Buarque fez o povo passar nas ruas calçadas de  paralelepípedos, enquanto tenebrosas transações corriam soltas.

Foram tempos de ouro em que o abuso de e do poder ficou para trás, enterrado pelo coro das Diretas-Já. Mas (sempre existe um mas para manchar nossa história) eis que agora as trevas ressurgem. E vêm pelas mãos da governadora-tampão do Distrito Federal, a bolsonarista Celina Leão (PP), ao retaliar a esquerda, impedindo que o Concentra, que desfilou ao longo das últimas duas décadas, saísse no finado carnaval arrastando um cortejo de milhares de foliões.

O Concentra mas não sai, se não saiu, não foi por falta de autorização dos Bombeiros, da Segurança Pública, da Defesa Civil, da Vigilância Sanitária ou do Meio Ambiente. O carnaval na 404/5 Norte, uma tradição de 22 anos, foi solenemente proibido pelo Palácio do Buriti por mera por retaliação política. Quem afirma é Márcio Ângelo, um dos coordenadores do bloco, em conversa com Notibras. Com a inexplicável perseguição da governadora-tampão, os foliões foram obrigados a substituir, pela primeira vez desde 2001, a irreverência pela indignação.

“Em 20 anos de festa, nunca houve uma proibição. Se faltava algum documento, a gente sempre correu para providenciar e fazer tudo como manda a lei. Dessa vez, não tinha porque ser diferente. Mas, para nossa surpresa, a Administração do Plano Piloto se negou a nos receber para fazer a entrega dos documentos que obtivemos junto aos órgãos competentes”, enfatizou Marcinho, como é mais conhecido.

“Além disso”, sublinhou, “em 20 anos de festa, portanto 40 eventos de Carnaval, não há registro de um único episódio de ocorrência policial”. E mais: o Concentra Mas Não Sai integrava todas as listas de blocos de Carnaval divulgadas pelo próprio GDF ao público.

Se a festa é tranquila e familiar, se havia autorização de todos os órgãos de segurança e se constava inclusive da programação oficial, o que houve?

A resposta, para Marcinho, é óbvia. Foi exatamente naquela entrequadra da 404/5 Norte que os eleitores do presidente Lula comemoraram sua vitória no segundo turno das eleições, em 30 de outubro, numa festa espontânea que acabou tomando as quadras da região. O Concentra acontece todo ano em frente a um tradicional ponto de encontro de simpatizantes da esquerda, o bar Pardim.

O Concentra esperava tudo, menos um jogo tão baixo de uma bolsonarista como Celina, que hoje tem as rédeas do governo nas mãos desde o afastamento por 90 dias do titular Ibaneis Rocha (MDB), determinado pelo ministro Alexandre de Moraes, no inquérito que investiga os atos golpistas de 8 de janeiro.

“Nossa indignação – desabafa Marcinho – é por termos feito tudo exatamente como manda o figurino e com antecedência; termos conseguido todas as autorizações para os eventos, e na hora de obter o alvará, não sermos nem recebidos pela Administração (do Plano Piloto). Isso afeta inclusive os patrocinadores, que ajudaram a financiar palco, som, cachê dos músicos, fora a frustração dos ambulantes, que recebemos todo ano para ajudar a servir o público”.

Para o próximo carnaval, o desafio está lançado. Em 2024, indica o coordenador do bloco, “vamos fazer uma festa em defesa da democracia, da liberdade de expressão e contra a censura. Será que o governo terá coragem de proibir?”, questiona Marcinho.

Os tempos são realmente outros. Os brasilienses, filhos dos nossos filhos, deixaram de errar “cegos pelo continente, levando pedras feito penitentes, erguendo estranhas catedrais (no caso da governadora-tampão, templos)”.  Quando voltarem no próximo reinado de Momo, as asas da liberdade vão lembrar que o nome da verdadeira heroína é Isabel. E o povo, de novo, terá direito “a uma alegria fugaz, uma ofegante epidemia, que se chamava carnaval”.

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