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A nona praga

Lobos vestem peles de cordeiro para estimular o golpe pelo zap

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Autor/Imagem:
Wenceslau Araújo - Foto Tânia Rêgo

É preciso ser ovelha em pele de cordeiro para lidar com os lobos em pele de cordeiro. Que Deus nos livre dos lobos vestidos com pele de cordeiro, do ódio travestido em sorriso, da inveja disfarçada em amor e da falsidade camuflada em amizade. Lobo em pele de cordeiro é uma expressão popular, utilizada para caracterizar uma pessoa supostamente de boa índole, mas verdadeiramente símbolo da malícia e da crueldade. Para sorte de todos, mentir ou conspirar acaba sempre por trazer suas consequências. A pior delas é que normalmente os lobos terminam seus dias sem o respeito e a consideração de seus pares. Interessante é que, ao contrário do mundo físico, nas diversas culturas e religiões o animal aparece como o intermediário entre o visível e o invisível. No Xamanismo, o lobo é associado à proteção e à capacidade de nutrir e transmitir força.

Nada de xamã e tudo de lobo bobo, daqueles que deixam rastro. É assim que avalio o ex-deputado federal pelo Rio Grande do Sul Augusto Nardes, hoje integrante do seleto e vitalício grupo de ministros do Tribunal de Contas da União (TCU), para o qual foi indicado em setembro de 2005 pelo então presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Pois bem, o mesmo Nardes, antigo correligionário do presidente, agora se associa publicamente a Bolsonaro e aos golpistas do agronegócio para tentar golpear Luiz Inácio, eleito democrática e inquestionavelmente por uma maioria de votos livres e soberanos. Usando de informações privilegiadas, o ministro fez isso de maneira servil e sem qualquer preocupação com o anonimato. Se pronunciou, conspirou e incitou os defensores do golpe de caso pensado e com o desejo óbvio de tumultuar.

Por meio de um grupo do WhatsApp, mecanismo usado por aqueles que querem se mostrar, Augusto Nardes distribuiu no fim de semana um áudio para os “amigos”, conclamando os bolsonaristas a aguardar os próximos passos das Forças Armadas. No áudio, o ex-deputado disse estar acontecendo um “movimento muito forte nas casernas brasileiras” e que “é questão de horas, dias, no máximo, uma semana, duas, talvez menos do que isso, para um “desenlace bastante forte na nação”. É ou não estímulo público ao golpe? Bons exemplos vêm de cima. E não há o que se questionar, senhor ministro. Não houve perguntas para suscitar má interpretação, tampouco hipótese de frases fora do contexto. Está gravado. Ninguém lhe obrigou a nada. O senhor falou o que está dito. Para qualquer leigo, é uma fala conspiratória e, portanto, no mínimo, passível de inclusão na Lei de Segurança Nacional (LSN) e na Lei Orgânica da Magistratura Nacional (Loman).

Em seu artigo 359, a LSN tipifica como crime “tentar, com emprego de violência ou grave ameaça, abolir o Estado Democrático de Direito, impedindo ou restringindo o exercício dos poderes constitucionais”. O artigo 35 da Loman estabelece como dever do magistrado “manter conduta irrepreensível na vida pública e particular”. Nardes infringiu a ambos, mas isto não é problema do povo. Após a repercussão, o ministro obviamente negou estímulos a atos violentos contra as instituições, afirmando que apenas externou sua “percepção sobre fatos e acontecimentos em curso”. Se defendeu, só se retratou após firmes “sugestões” de colegas do TCU e de ministros do Supremo Tribunal, mas não vi desculpa alguma a Luiz Inácio. Ou seja, constrangeu, tumultuou e se arrependeu por obrigação.

Qualquer cidadão comum seria preso e condenado por muito menos. Por essa e outras, fecho com o sábio e sempre atual Nelson Rodrigues: “Eu me nego a acreditar que um político, mesmo o mais doce político, tenha senso moral”. Augusto Nardes, seus seguidores e todos aqueles que apoiam o golpismo deveriam ter lido pelo menos uma das dezenas de frases produzidas por Napoleão Bonaparte, estadista e líder militar francês. Craque na divulgação de ideias para enfraquecer adversários, seu maior feito foi em 1808, quando invadiu Portugal e obrigou a corte portuguesa a aportar no Brasil, transferindo toda sua estrutura para o Rio de Janeiro. Esse episódio acabou acelerando o processo de nossa independência, cuja data comemorativa o presidente em fim de mandato entende como de exclusividade dos golpistas.

Embora defensor da ampliação do território francês, Napoleão se notabilizou por suas ideias de meritocracia, igualdade perante a lei, tolerância religiosa, finanças sólidas e de incentivo à ciência e às artes. Tudo a ver com o país do mito que o ministro Augusto Nardes e mais meia dúzia de fanáticos idolatram e querem perpetuar no poder. O antigo imperador também é autor da célebre frase “Quem teme ser vencido tem a certeza da derrota. Todo homem luta com mais bravura pelos seus interesses do que pelos seus direitos”. Mais uma vez, a síntese do Brasil de hoje. A conclusão é fácil. Alcançar postos de relevância na estrutura de poder no Brasil não quer dizer necessariamente seriedade, competência, consciência, capacidade, conhecimento e, sobretudo, isenção. Aproveito a oportunidade para lembrar ao ministro e seus apoiadores que a ira é uma loucura breve na vida da maioria dos brasileiros. Entre os bolsonaristas, no entanto, ela parece a nona praga, a das trevas.

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