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Palmeada na academia

Mão leve de lábia fitness quase me levou para a irmandade colorida

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Autor/Imagem:
Wenceslau Araújo - Foto de Arquivo/ReproduçãoTV Globo

Nunca na história deste país eu havia atentado para o alcance do slogan “Braços fortes, mãos amigas”, marca de uma funerária de Brasília. Desavisado, desassistido e assintomático, descobri a amplitude do bordão ao ser tocado por um desses fortões no banheiro da academia que frequento. Malho diariamente para fortalecer os bíceps e manter os olhos bem abertos, principalmente o esquerdo, normalmente utilizado para apreciar furtivamente os glúteos à minha direita. Não necessariamente nessa ordem, é claro. Às vezes, inverto o lado e dou boas-vindas às distintas senhoras de capô ligeiramente alterado.

Enfim, faço da academia uma rotina agradável à mente, particularmente às cabeças. Não sei se me entendem, mas costumo pensar simultaneamente abajo e arriba. Antes que me cobrem algum exercício específico, esclareço que não sou exemplo de malhador. Entretanto, faço sucesso no banheiro masculino, onde circulo naturalmente como cheguei ao mundo. Velho, ranzinza, usado, ultrapassado e avesso aos viagras da vida, sou conhecido pela proeminência secundária das partes pudendas. Nada de protuberância alarmista, mas saltitante diante dos caras musculosos, mas de pernas e pescoço curtos e finos.

Na verdade, tudo pequeno e fino. Exceção somente para os braços, o para-choque traseiro e para a região nadegal, vulgar e amiudamente conhecida pelos classistas e afins por toba. Como os ideais são quase sempre pouco republicanos e nada familiares, os da robustez no toba se empanturram de monturos de anabolizantes esteróides, vendidas como bombas que baixam os faróis, acendem o pisca-pisca e aumentam o volume do cano de descarga. Detalhes que só vêm ao caso porque talvez sejam a razão do carinhoso e singelo apelido como sou chamado pelos “meninos” do banheiro da academia.

Vestido sou Wenceslau, o tal. Despido, me transformo no Wenceslau, o “Tromba”. Antecipando minhas desculpas com o exagero da alcunha acadêmica, preciso informar que tudo a ver com o estilo boi bambo da rapaziada que prefere as bombas estimuladoras do físico ao prazeroso estalinho entremeado de paixão e perfumado com misturas aromáticas que variam da lavanda à pimenta com canela. Meu Deus! Todo esse furdunço para contar a palmeada de que fui vítima. Como o tipo mão leve que pungueou minha braguilha, a maioria dos bombadões passa o resto do dia com sono, mas acorda cedo para ir à academia.

Os magricelas como eu preferem o carinho da madame do lar e só adentram o recinto quando as bombadinhas estão derretendo de suadas e com os glúteos pululando no collant. A figura do “punguista” me lembrou um daqueles frenéticos fãs da Madonna. Quase chamei o síndico. Fui contido por um fanático seguidor de Lady Gaga, cuja lábia fitness quase me obrigou a aderir à irmandade. Sei que, além do corpo, a academia também transforma a alma e a vida. Foco, força, fé, suor e visão de 360 graus são a base do meu treino diário. Também sei que a dor que sinto hoje será pior amanhã.

Mas o que fazer se o sujeito que corre para mim diariamente me faz crer que a vida é uma enciclopédia de experiências e inexperiências, um dicionário de ações e reações, um alfabeto com ou sem significado. Fico mais feliz quando ele exige que eu jamais olhe para trás, independentemente do tamanho do que estiver à minha frente. Penso nisso quando mergulho de cabeça no banheiro masculino. Depois da abrupta palmeada, fui obrigado a subir no banco de alvenaria e informar a todos que já degustei quase tudo nessa vida. O que nunca experimentei e espero nunca experimentar é a tal da rabada. Me abasteço com espinafre, chá de quebra-pedra, rapé, guaraná em pó, mas morder o rabanete, nem pensar. Tô fora!

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Wenceslau Araújo é Editor-Chefe de Notibras

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