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Devagar com o andor

Militares contêm delirium tremens de Jair Bolsonaro

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Autor/Imagem:
Wenceslau Araújo*

Dia sim e no outro também, o governo e o presidente Jair Bolsonaro surpreende o país e é surpreendido com fatos que sacodem a nação. E não são apenas factóides, mas delirium tremens que ruborizam até que não tem sangue nas veias. Após o vendaval de segunda-feira, 29, com a reforma ministerial ampliada pela saída intempestiva do general Fernando Azevedo da pasta da Defesa, na tarde dessa terça-feira, 30, a governabilidade ficou estremecida pelo tsunami fardado e por uma fracassada investida na Câmara dos Deputados. A demissão coletiva dos comandantes do Exército, Aeronáutica e Marinha não fazia parte do radar do ocupante do Planalto, tampouco a reação de opositores ao projeto de lei malandramente apresentado pelo líder do PSL, deputado Vitor Hugo (GO), com objetivo de ampliar poderes de Bolsonaro no período de pandemia, inclusive com o comando das Polícias Militares, de modo a bancar os ultrapassados e insustentáveis delírios golpistas.

Pela primeira vez na história do país, os três comandantes das Forças Armadas renunciaram coletivamente por discordar do presidente da República, que insiste na politização dos quartéis. O gesto foi interpretado como revolta silenciosa à forma como os generais foram tratados, notadamente o ex-ministro da Defesa. Curioso é que o desrespeito às Forças Armadas parte exatamente de um integrante reformado e supostamente fracassado na tentativa de alcançar o oficialato. Em sentido contrário, os partidos de esquerda ou de centro-esquerda lamentaram a saída dos militares. O fato é que, em dois dias e meio, Jair Bolsonaro não conseguiu subordinar Exército, Marinha e Aeronáutica, muito menos coordenar (eufemismo de dominar) as PMs.

Adicionando uma pitada macabra nessa salada golpista, o Brasil atingiu ontem 318 mil vidas perdidas, das quais 3.680 em 24 horas. A pá de cal nesse devaneio bolsonarista foi jogada por ninguém menos que o vice-presidente da República, general Hamilton Mourão. Com todas as letras e assinando embaixo, ele afirmou que não há chance de ruptura, fincando no bolo da democracia a cereja que faltava para sua consolidação: “Zero. Pode botar quem quiser, não tem ruptura institucional. As Forças Armadas se pautam pela legalidade, sempre”. Como militar reformado, em menos de 48 horas o presidente passou de sonhador com o poder perpétuo a principal investidor do arbítrio. Para isso, quebrou a hierarquia por conta do autogolpe e acabou acusado pela oposição e até por integrantes do Centrão de flertar com o autoritarismo ao autorizar a sequência do projeto que cria o “estado de mobilização nacional”.

Na prática, a decretação da mobilização tiraria força dos governos locais, na medida em que daria ao presidente da República poderes de guerra, inclusive para requisitar bens e serviços públicos, além controlar as polícias estaduais. Com a mesma rapidez da apresentação, a proposta foi rejeitada pela maioria do Colégio de Líderes da Câmara. Ao absorver prerrogativas de governadores preocupados com vidas, certamente a primeira iniciativa presidencial seria anular as medidas de restrições impostas para conter a Covid-19, isto é, o mesmo que recuperar a economia com milhares de mortes. Refém do Centrão, cujas metas sempre foram cargos e recursos públicos à disposição, Bolsonaro tem de alimentar essas bocas sedentas, sob pena de perder o leme da governabilidade e ficar à deriva se faltar dinheiro para garantir o sedentarismo dos centristas.

Com relação à possibilidade de golpe, o recado das Forças Armadas foi dado: delirium tremens tem limites. Ou, se preferirem, devagar com o andor que o santo é de barro. Vale fazer um paralelo com o movimento de 31 de março de 1964, denominado pelos militares de Revolução. Há 57 anos, até prova em contrário, os generais, brigadeiros e almirantes receberam apoio de expressiva parte da sociedade, da Igreja, de empresários e da comunidade internacional, liderada pelos Estados Unidos do democrata Lyndon B. Johnson, reeleito em novembro daquele ano com 61% dos votos populares. Parafraseando um experimentado e premiado jornalista (também ex-deputado federal), não há termo de comparação com os dias e com o governo de hoje. Segundo ele, se alguém teimar em comparar até um bêbado pode virar equilibrista.

*Wenceslau Araújo é jornalista

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