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Momento de reflexão

Mortes de Ana Lídia, Marielle, Cerrado e golpe

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Autor/Imagem:
Roberto Seabra* - Foto de Arquivo

O 11 de setembro virou uma data sinistra. Além do ataque às torres gêmeas em 2001, quando morreram mais de 2.700 pessoas e o mundo passou a viver sob o signo do combate ao terrorismo, também foi nesta data, em 1973, que aconteceu o golpe militar no Chile. Naquele dia, há 49 anos, Augusto Pinochet, então ministro do presidente Salvador Allende, liderou o ataque ao Palácio de La Moneda, resultando na morte do presidente eleito democraticamente e arrastando aquele país para uma das ditaduras mais sangrentas da história da América do Sul.

Em 11 de setembro de 1973 Brasília também perdeu a inocência. O desaparecimento da menina Ana Lídia, de sete anos, sequestrada na porta de uma escola particular na L2 Norte e encontrada morta horas depois com sinais de violência sexual, causou um trauma nas famílias da cidade. Mães passaram a proibir os filhos, em especial as meninas, de brincarem sozinhas nas quadras, com medo que uma delas fosse a próxima vítima.

A ordem do governo militar – na época comandado pelo general Médici – de proibir a imprensa de publicar notícias sobre o caso Ana Lídia e a decisão da cúpula da segurança pública de arquivar as investigações sobre o crime, logo levantaram suspeitas de que não havia sido um crime qualquer. O possível envolvimento de filhos de membros do primeiro escalão do governo militar (ministro da Justiça e líder do governo no Senado) explicavam porque tanta pressa em silenciar jornais e investigadores sobre o bárbaro assassinato da criança.

A partir de 2003 o 11 de setembro passou a ser também o Dia nacional do Cerrado. A data foi escolhida para homenagear o ambientalista Ary Para-raios, que nasceu nesta data, em 1931. Conheci Ary e pude acompanhar a luta dele, até a sua morte, em 2011, pela arte e a proteção do Cerrado.

Mas a verdade é que até hoje não sabemos quem matou Ana Lídia e qual a razão do governo ter proibido a polícia de continuar investigando o caso. Imaginem se algum detetive, ou jornalista investigativo, descobrisse que o crime fora silenciado para não chegar ao Palácio do Planalto?

Imagine se as pessoas, em 1973, no auge da ditadura, suspeitassem que respeitáveis homens do governo estivessem acobertando um crime hediondo cometido por seus próprios filhos? A ditadura poderia vir abaixo muito antes do tempo.

Passados 49 anos do assassinato de Ana Lídia e 11 anos do desaparecimento de Ary Para-raios, eis que o Cerrado vem morrendo lentamente, de morte matada e queimada, também por culpa de “respeitáveis homens de bem” do governo militar de Jair Bolsonaro. Mais 4 anos desse desgoverno e não teremos mais Cerrado, nem a água que ele protege e produz. E também nunca mais saberemos quem matou Ana Lídia e quem mandou matar Marielle Franco. Quanto ao Chile, o bem enfim venceu o mal.

*Roberto Seabra é jornalista e autor do livro Silêncio na cidade.

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