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Irmãos arteiros

Na Brasília que engatinhava, Geraldo e José aprontavam todas para agonia do pai

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Autor/Imagem:
Eduardo Martínez - Foto Produção Irene Araújo

O ano era 1962, mas bem que poderia ser 1963. Geraldo e José, nove e seis anos, aprontavam todas quando Brasília dava os primeiros passos. Quando tinham tempo, não deixavam passar oportunidade de aprontar mais outras tantas. Meninos sendo meninos, como a avó gostava de dizer, ainda mais porque era a favor de que a fase mais divertida da vida deveria ser usufruída de modo o mais arteiro possível.

O pai é que não concordava muito com isso, como se tivesse sido um anjo durante a infância.

— Deixa os garotos se divertirem, Orlando.

— Mamãe, esses moleques aprontam demais!

— Igualzinho a você nessa idade.

— Eu?

— E quem mais?

— Ué, o Roberto!

— O Roberto, meu filho? Pois você não sabe que eu sei muito bem que era você o cabeça das artes da rua?

— Eu?

— Sim! O senhor mesmo!

A despeito do pito tomado da matriarca, Orlando não deixou a fama de pai severo que fazia questão de cultivar perante os filhos. Ah, no menor deslize da cria, o chinelo cantava que era uma beleza. E não é que o homem teve a oportunidade de cumprir tal sina justamente naquele final de tarde, quando chegou aos seus ouvidos uma história que já se desenrolava há alguns dias?

Geraldo e José, não se sabe onde, arrumaram um par de óculos escuros e uma bengala para se fingirem de cegos e, assim, atravessarem a rua mais movimentada da cidade. Enquanto um colocava os óculos e segurava a bengala, o outro pegava no braço do cego de araque e paravam o trânsito. Mal chegavam ao outro lado da rua, trocavam de papéis e retornavam. E assim ficavam durante um bom tempo.

Pois naquele mesmo dia, ao chegarem ao lar, doce lar, os meninos foram recepcionados por Orlando, que segurava o chinelo, certo de que daria uma boa lição nos garotos. Entretanto, o pai talvez tenha se lembrado da própria época de meninices ou, então, ficou aliviado de ver os filhos chegarem são e salvos em casa. Mesmo assim, disse algo que, até hoje, é lembrado pelos irmãos.

— Se aparecer alguém atropelado aqui, eu não dou nem um Merthiolate.

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Eduardo Martínez é autor do livro 57 Contos e Crônicas por um Autor Muito Velho’

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