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50 anos depois

Neruda ainda dá voz à beleza e à liberdade

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Autor/Imagem:
Daniel Marchi de Oliveira - Foto Reprodução/Arquivo Público do Chile

Aquele tempo foi detestado e cantado por Vinicius de Moraes num poema chamado “Breve consideração à margem do ano assassino de 1973”, em que ele lembra e lastima a morte de três Pablos de uma só vez. Três Pablões, não três Pablinhos, Pablos de muitos caminhos: Neruda, Casals e Picasso.

O Chile convulsiona no fatídico setembro de 1973. Após sucessivas derrotas eleitorais, Salvador Allende conquistou finalmente a presidência, em campanha durante a qual foi apoiado pelo ex-senador e diplomata Pablo Neruda, mundialmente conhecido.

O Palácio da Moeda está destruído pelos bombardeios, o governo caiu, Allende suicidou-se (ou “suicidaram-no”). Dali em diante, virão várias transformações e uma grande noite sobre o país sul-andino com terras desérticas, com poeira, com mineradores, com cobre e mares gelados, tão cantados pelo Poeta das Américas.

Bem ali perto do centro nevrálgico da violência e da arbitrariedade, Neruda, internado na Clínica Santa Maria desde que saiu muito doente de sua casa em Isla Negra, a 19 de setembro, morrerá muito em breve.

Matilde, a seu lado, presenciará a febre e a inconsciência, antes de lhe ouvir dizer coisas muito ternas e carinhosas – que não eram do seu feitio, a ponto dessas palavras surpreenderem-na. Depois de sua morte, invadirão sua casa na capital, tentarão destruir sua memória, cometerão ainda mil maldades indizíveis.

E de nada adiantará.

Neruda, nascido em Parral, no interior do Chile, em 12 de julho de 1904, foi batizado como Ricardo Eliécer Neftalí Reyes Basoalto. Era filho de um ferroviário, José del Carmen, e de uma professora, Rosa Basoalto, que morreu antes do futuro poeta completar 3 meses de idade.

Fez, a par da literatura, carreira diplomática em remotos países, e, depois de senador cassado e perseguido em seu país, findou sua carreira como embaixador do Chile em Paris.

Esteve várias vezes no Brasil, a última delas no final dos anos 60 quando, entrevistado por Paulo Mendes Campos, se disse “enfermo de si mesmo”. Clarice Lispector também esteve com o poeta e soube, em antológica entrevista, que ele admirava o poema “O Defunto”, do médico e memorialista mineiro Pedro Nava, e o lia em todo lugar para seus amigos quando tinha a oportunidade. Contou também admirar Vinicius, Jorge de Lima, Drummond e Geir Campos.

Após vários anos de investigações e pesquisas, concluiu-se que Neruda morreu deliberadamente envenenado, a 23 de setembro. Cinquenta anos depois, Neruda ainda canta a beleza e a liberdade. Ainda dá voz ao povo conquistado e conquistador que anseia e caminha para o seu destino natural de vida e independência. Seu canto ecoa para que o mundo seja digno para todas as vidas humanas, não só para algumas.

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