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Atenção, concentração

Nosso cérebro é programado para se distrair

Publicado

Autor/Imagem:
Daniel Martins de Barros

Ano passado pedi de Natal para minha esposa um fone de ouvido. Daqueles grandes, com um botão extra para reduzir o ruído ambiente. Desde então o desafio de me concentrar para ler um texto ou escrever um artigo ficou um pouco mais fácil. A música até pode me distrair um pouco, mas não tanto quanto a multiplicidade de estímulos que concorrem por minha atenção.

Durante muito tempo, inspirado pelos postulados de um dos pioneiros da psicologia, William James, o modelo usado para compreender a atenção era o de uma lanterna: como se nós estivéssemos num quarto escuro e a atenção lançasse luz sobre aquilo em que queríamos nos focar. Mas esse modelo tinha uma brecha: se nossos sentidos estão abertos o tempo todo aos estímulos nós não estaríamos num quarto escuro, mas num quarto excessivamente iluminado. O desafio da atenção seria o de reduzir o brilho de todos os outros estímulos para ressaltar o que nos interessasse.

Nos últimos anos as pesquisas têm conseguido demonstrar que isso de fato acontece. Com novas tecnologias que conseguem inibir o funcionamento de regiões específicas do cérebro, os cientistas descobriram que o córtex pré-frontal escolhe no que prestar atenção, e transmite tal informação para regiões mais profundas do cérebro, como os gânglios da base, que então fecham as barreiras para os estímulos concorrentes. E tal filtragem pode acontecer dentro de uma mesma modalidade sensorial: se você consegue conversar numa festa cheia de gente é porque o cérebro separa informação e ruído de fundo automaticamente, por exemplo.

Se tal mecanismo fosse contínuo, contudo, nós correríamos o risco de manter o foco exageradamente em algo, deixando de receber informações importantes para sobrevivência. O que faz o cérebro? Algumas vezes por segundo ele abaixa a guarda, diminui a barreira para estímulos concorrentes, permitindo o monitoramento do ambiente. O que embora possa ter sido importante para nossa sobrevivência, hoje torna-se um ponto fraco para a concentração, continuamente ameaçada pela distração.

Por isso os fones de ouvido me ajudam. Se todas as vezes que meu cérebro afrouxar o laço meu entorno estiver cheio de coisas para serem ouvidas, interpretadas e analisadas, aumentam as chances de eu perder o foco. Já se não houver nada interessante ocorrendo a minha volta, maior a probabilidade de rapidamente voltar a me concentrar. Não é por acaso uma dica valiosa para manter a concentração é reduzir os estímulos externos. Desligar alertas de celular. Desligar o próprio celular. Fechar abas extras do navegador. Não ser avisado quando chegar e-mail. Pedir para não ser interrompido.

Não é o único caminho, mas é talvez a mais importante. Por isso, se cruzar comigo com fone de ouvido e eu não te cumprimentar não estranhe. Não é pessoal. Só estou tentando me concentrar.

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