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No Brasil a morte é pela boca

Números da corrupção mostram quem é quem ontem e hoje

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Autor/Imagem:
Mathuzalém Junior* - Foto de Arquivo/Reprodução das Redes Sociais

Muito mais do que o negacionismo que gerou a morte de quase 640 mil brasileiros, o esporte preferido da turma do cercadinho é rotular Luiz Inácio de ladrão e corrupto e gritar nos salões onde se prega honestidade que o PT, petistas e qualquer um que não adote a política destrambelhada do bolsonarismo, são comunistas. Parece brincadeira, mas é fato que desqualificar seus antecessores é a única forma de governo da turba que tentará a reeleição em outubro próximo. Na verdade, na ausência de governo, não existe forma alguma. A vida é roda gigante mágica. Entretanto, às vezes esquecemos que o mundo dá voltas, que tudo passa e as coisas mudam. O lado bom da existência são exatamente as voltas que ela dá, nos permitindo reviver os acertos e corrigir os erros.

Nada como um dia atrás do outro. A noite no meio serve para refletirmos sobre a máxima de quem um dia atacou certamente um dia será cobrado. É da lei de causa e efeito. Esse dia chegou mais rápido do que supunham os próprios detratores. Longe de mim defender ou acusar, sem provas físicas e robustas, qualquer homem público de ladroagem ou corrupção. Os que o fazem devem saber que o exemplo de retidão tem de ser dado diária e eternamente. Aqueles que agem por impulso, ódio ou eventuais necessidades políticas têm de estar preparados para processos e riscos sérios de serem desmascarados na primeira esquina. O resumo da ópera é que, sempre ligados aos negacionistas, os extremistas antidemocráticos e críticos de tudo que não é da lavra deles começaram 2022 experimentando do próprio veneno.

O racha no ventre felino do conservadorismo arcaico do Brasil está somente no começo. A morte do ideólogo (?!) Olavo de Carvalho pode ser o início do fim. Mas isso não é tudo. A mulher de César que, além de ser, tinha de parecer honesta, caiu do telhado. Com ela, sucumbiu o discurso de corrupção contra Lula da Silva. Interessante, mas, em 2002, o Brasil ocupava a 45ª posição do ranking do Índice de Percepção da Corrupção (IPC), divulgados na terça-feira (25) pela Transparência Internacional (TI). Tudo bem que eram “apenas” 102 países na analisados. Hoje, são 180 nações e alcançamos o 96º lugar na análise, dois postos a mais do que na de 2020. Curioso é que, mesmo com a mudança de metodologia ocorrida em 2012, os indicadores brasileiros permaneceram estáveis, com exceção de 2016, nos governos de Dilma Rousseff e Michel Temer.

Nesse período, substancialmente por conta do efeito da Lava Jato, tivemos um aumento muito grande da percepção de corrupção, que levou o país a cair da 69ª colocação para a 76ª. É o terceiro pior resultado nos últimos 10 anos, conforme dados do Programa Brasil da TI, dirigido no Brasil por Bruno Brandão. As razões da TI são as mesmas que levaram o país ao ostracismo e ao abandono internacional: “investidas antidemocráticas”, do presidente da República, “graves interferências” em instituições, a “gravidade” do suposto orçamento secreto como mecanismo de compra de apoio político, além da farta documentação em poder da CPI da Covid, com “extensos indícios” de corrupção ligados à pandemia.

Realmente o peixe morre pela boca. Não tenho – e não quero – recibo para defender governo algum, mas, inquestionavelmente, os números revelam que as administrações Lula e Dilma não foram tão corruptas como os bolsonaristas de raiz fazem questão de afirmar. Qualquer cidadão brasileiro acima da média, com um mínimo de conhecimento político e familiarizado com as bandalheiras políticas, dormiu e acordou nos últimos seis, sete anos com a ladainha de que os governos do PT foram poços infinitos de corrupção. Não tenho tanta intimidade com as entranhas do Poder, mas tão fácil como a soma de dois mais dois é afirmar que não havia amadores nas administrações de Luiz Inácio e de Dilma Rousseff. Os fatos e as fotos até hoje rendem questionamentos de respostas nem sempre convincentes.

A verdade é que, embora poucos tivessem circulado ou visitado Harvard, todos eram escolados e diplomados com louvor nas mais variadas vertentes da vida política e nas famosas escolas do sindicalismo nacional. Nada de extraordinário ou contraditório. O crédito da contradição cai na conta dos sucessores. Pode ser que haja alguma discrepância nas análises da TI. Quem sabe alguma coisa errada entre o discurso de honestidade e a pesquisa. Honestamente, não é essa a perspectiva de quem está de fora. Por exemplo, como explicar que apenas o PP, PL e Republicanos, legendas do Centrão, ficarão responsáveis pela destinação do din din da peça orçamentária de 2022?

São R$150 bilhões entre os dentes vorazes dos leões desses três partidos, coincidentemente a base de apoio de Jair Bolsonaro. Vale registrar que essa dinheirama é superior aos orçamentos dos ministérios da Educação e da Defesa. Aos meus detratores, que, mesmo sem provas, acham que amo odiar o governo do mito, lembro uma citação do escritor português José Saramago: “Damos voltas e voltas, mas, na realidade, só há duas coisas: ou escolhes a vida ou afastas-te dela”. Sempre escolho a vida, preferencialmente longe dos mentirosos. Um dia a casa cai. Nesse dia, a mentira deixa de ser verdade. Esse dia chegou.

*Mathuzalém Júnior é jornalista profissional desde 1978

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