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Tufão em ação

O dia em que fui trabalhar com o meu Fusca e dei de cara com um acidente grave

Publicado

Autor/Imagem:
Eduardo Martínez - Foto Produção Irene Araújo

Aconteceu no final do século XX, quando nem existia o SAMU. Naquele tempo, então, se acontecia alguma coisa, os próprios parentes ou qualquer um que passasse pelo local prestava socorro, levava para o hospital. Nessa época, eu era proprietária de um Fusca 1600, cor cinza, uma belezura. O danado até tinha nome: Tufão.

Como eu trabalhava longe de casa, costumava pegar ônibus. No entanto, nem me lembro do motivo, resolvi tirar o Tufão da garagem. E lá fui eu, janela aberta, sem pressa de chegar, apreciando a vista, quando, logo adiante, percebi uma multidão.

Não chego a ser vidente, mas, não raro, minha intuição não falha. Senti um frio na espinha e, então, tive certeza de que se tratava de um acidente. E não é que estava certa? Bastou o Tufão vencer algumas centenas de metros para que fosse possível ver o estrago: um Corcel amarelo havia derrubado um poste.

Não tive dúvida. Parei o Tufão, mas o deixei ligado. Um rapaz me disse que o motorista, em estado gravíssimo, fora socorrido por um homem em um Opala laranja. Já a passageira, que parecia ser a esposa, continuava deitada no asfalto. Ela estava inconsciente.

Assim que me aproximei para tomar ciência da situação, nova onda de calafrio percorreu meu corpo. Foi o empurrão que a razão me deu para tomar a vítima no colo e colocá-la no banco de trás do Tufão. Sempre fui pequena, mas tenho os braços fortes, talhados de tanto que carregava a minha sogra para lhe dar banho, e olha que a velha era muito maior do que a acidentada.

Como precisava acudir a vítima, gritei para os curiosos, que pareciam inertes diante do caos:

— Alguém sabe dirigir?

Um sujeito apareceu e logo se acomodou no banco do motorista. Arrancou para o hospital, enquanto eu tentava reanimar a mulher em meus braços. Foi questão de minutos que chegamos e, para chamar a atenção dos profissionais de saúde, usei todo o ar nos meus pulmões:

— Tragam uma maca! Tragam uma maca!

Assim que tirei a mulher do banco de trás do Tufão, eis que ela deu um longo suspiro. O último. O médico, que estava logo atrás de mim, me conhecia dos tempos em que ainda trabalhava como enfermeira. Ele tocou meu ombro e, então, me disse:

— Ainda bem que você desistiu da enfermagem, Maria Clara. A gente chora a perda de alguém todos os dias.

Aquela mulher não tinha sido o primeiro ser humano que vi perecer. Entretanto, apesar de já terem se passado quase 30 anos, o som daquele suspiro ainda hoje me atormenta.

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Eduardo Martínez é autor do livro 57 Contos e Crônicas por um Autor Muito Velho’

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