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Já custou R$ 1 bi

Obra da Copa de 2014 segue inacabada e sem previsão de fim

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Vinícius Lemos

Os canteiros de obras abandonados em meio às principais avenidas de Cuiabá e Várzea Grande representam resquícios daquele que era para ser o maior legado da Copa do Mundo de 2014 para Mato Grosso, o Veículo Leve sobre Trilhos (VLT).

Anunciado pelo então governador do Estado, Silval Barbosa (na época no MDB), como o melhor meio de locomoção para torcedores que fossem aos jogos sediados na capital mato-grossense, o VLT nunca chegou a transportar passageiros.

O Estado investiu, até o momento, R$ 1,066 bilhão na construção do meio de transporte, que está paralisada. Somente 30% das obras físicas foram executadas até hoje. Envolto em esquemas de corrupção e alvo de operação da Polícia Federal, o VLT tornou-se a obra incompleta mais cara da Copa no Brasil.

A duas semanas de mais um Mundial de futebol, desta vez na Rússia, a construção, marcada por um enredo que mistura promessas frustradas, uma sequência de atrasos, corrupção e brigas na Justiça, nem sequer tem previsão para ser retomada.

Aposta alta – Em 2009, pouco após o anúncio da cidade como uma das sedes da Copa, era dado como certo que a obra de mobilidade urbana seria o Bus Rapid Transit (BRT) – sistema de ônibus rápidos. O meio de transporte era visto como o mais adequado, em custos e benefícios, para a região metropolitana de Cuiabá.

Em 2011, porém, logo após ser eleito governador de Mato Grosso, Silval Barbosa mudou os planos e determinou a construção do VLT. As obras foram orçadas em R$ 1,2 bilhão – posteriormente, o valor subiu para R$ 1,4 bilhão –, cerca de R$ 700 milhões a mais do que o estimado com o BRT.

Tratava-se então da terceira obra de infraestrutura para o evento mais cara do país. À frente, estavam apenas a construção do BRT carioca, que custou R$ 1,6 bilhão, e a reforma do Aeroporto Internacional de Guarulhos, avaliada em R$ 2,3 bilhões, ambas entregues antes do evento.

Para o engenheiro civil Miguel Miranda, doutor em transporte, o Veículo Leve sobre Trilhos tornou-se um problema difícil de ser solucionado.

“O VLT começou errado e vai dar errado até o fim. É um projeto de modal incompatível com o custo de manutenção. Ele tem uma capacidade muito maior que a da cidade. Para a região metropolitana de Cuiabá, o ideal seria o BRT”, afirmou.

Segundo o projeto, o modal deveria ter duas linhas – uma delas ligando o aeroporto ao Centro Político Administrativo, onde estão concentrados os Poderes do Estado. A outra levaria do bairro Coxipó ao Porto, região tradicional de Cuiabá. Ao todo, seriam 22 quilômetros de trilhos. No trajeto, foram planejadas 33 estações de embarque e desembarque, além de três terminais de integração.

A estimativa era de que o veículo transportasse 160 mil pessoas por dia – segundo estimativa do IBGE, toda a região metropolitana tem cerca de 1 milhão de habitantes.

Os recursos para as obras vieram do Estado, que obteve empréstimo na Caixa Econômica Federal. Hoje, o governo diz pagar parcelas de aproximadamente R$ 13,9 milhões mensais, valor que inclui juros e correção monetária.

Atrasos sucessivos – Após licitação, as obras ficaram a cargo do Consórcio VLT, formado pelas empresas CR Almeida, Santa Bárbara, CAF Brasil Indústria e Comércio, Magna Engenharia Ltda e Astep Engenharia Ltda.

A construção foi iniciada em junho de 2012. Os 280 vagões do veículo, divididos em 40 composições, começaram a chegar à cidade em novembro do ano seguinte. A expectativa era de que as obras fossem concluídas em março de 2014 e que o veículo estivesse em circulação antes do início da Copa.

Meses antes do megaevento, no entanto, a construção havia avançado pouco. Diante disso, o governo estadual chegou a cobrir os canteiros de obras com grama para, segundo a gestão da época, melhorar o aspecto visual das avenidas no período em que a capital sediaria quatro jogos do Mundial.

Silval Barbosa sabia desde meados de 2013 que o modal não estaria em funcionamento durante a Copa, mas continuou dizendo que as obras estavam dentro do cronograma. Apenas nos primeiros meses de 2014 ele confirmaria que o veículo não ficaria pronto antes do Mundial – prometeu, então, que a inauguração ocorreria até o fim daquele ano.

Em março de 2014, o Estado concedeu um aditivo de 12 meses para a conclusão da obra e implantação do modal. Mas em meados do mesmo ano, o consórcio passou a enviar ofícios ao governo informando que os repasses estavam atrasados. Mais tarde, notificou a gestão de que pararia as obras caso os pagamentos não fossem feitos.

Diante do imbróglio, Silval determinou ele mesmo a paralisação da construção antes de deixar o governo. Desde então, elas nunca mais avançaram. Apenas nove quilômetros de trilhos haviam sido implantados, e os vagões permanecem no estacionamento onde foram colocados desde que chegaram a Mato Grosso, sob os cuidados do Consórcio VLT.

Segundo o atual governo, comandado por Pedro Taques (PSDB), os veículos ainda estão novos e em bom estado de conservação. Mas para especialistas, como o engenheiro civil Miguel Miranda, eles representarão mais custos caso o modal seja de fato concluído. “Em dois anos, pelo menos a parte eletroeletrônica deverá ser quase toda reformada”, diz.

Longa negociação – O atual governador de Mato Grosso era um ferrenho crítico à implantação do VLT. Mas nas eleições de 2014, que acabaria vencendo, prometeu concluí-lo em sua gestão. Em janeiro seguinte, ao assumir o cargo, determinou a abertura de negociações com o Consórcio VLT para a retomada das obras.

Em abril do mesmo ano, o contrato acabou suspenso pela Justiça por causa da falta de entendimento entre as partes. Durante as negociações, o consórcio apresentou quatro propostas diferentes de reajuste entre abril de 2015 e dezembro de 2016 – os valores foram de R$ 993 milhões, R$ 1,04 bilhão, R$ 1,494 bilhão e, por último, R$ 977 milhões.

Em agosto de 2015, o governo obteve autorização da Justiça Federal para contratar uma auditoria independente para investigar o contrato e apontar o valor correto para a retomada. Um dos entraves nas negociações eram as cinco ações judiciais movidas pelo Estado contra o consórcio, incluindo processos por improbidade administrativa e pedindo indenização à sociedade.

Em março do ano passado, as duas partes finalmente chegaram a um acordo. Ficou determinado que as obras seriam retomadas três meses depois e concluídas em 24 meses, sob o valor de R$ 922 milhões, sendo R$ 327,2 milhões referentes a passivos do contrato original – com isso, o VLT teria um custo final de R$ 1,988 bilhão. Além disso, o Estado deveria extinguir as ações judiciais que envolvessem o Consórcio VLT.

Mas o novo acordo acabaria não indo adiante. Os Ministérios Públicos Estadual e Federal apontaram diversas irregularidades no contrato e determinaram a suspensão do acordo.

Procurado, o Consórcio VLT informou que está à disposição do Estado para chegar a uma conciliação. O grupo de empresas informou que está impedido de falar sobre a questão, pois o caso está na Justiça.

“O Consórcio segue à disposição das autoridades, como sempre o fez, para quaisquer esclarecimentos que vise o objetivo público maior e legítimo: a retomada e conclusão das obras do VLT, para uso da população”, disse, em nota.

Conclusão incerta – Diante do impasse com o Consórcio VLT, não há data para que uma nova licitação seja lançada. O secretário-adjunto de obras do VLT, José Piccolli Neto, prefere não estipular um prazo de entrega do serviço à população.

“Se começar a construir hoje, o prazo para terminar seria, no máximo, de 24 meses. E depois teria o tempo para entrar em operação. Porém, ainda não sabemos quando será lançada a nova licitação, mas esperamos que seja o mais rápido possível.”

A expectativa é de que, caso entre em funcionamento, o modal seja gerido por meio de parceria público-privada (PPP). Cada passagem deve custar o mesmo valor cobrado nos ônibus de Cuiabá, R$ 3,80.

Segundo Piccolli, o Estado prefere não divulgar quanto deve custar a conclusão da obras. “Como estamos em um processo de licitação, isso pode ficar como parâmetro para colocarem esse valor como base”, disse.

“Mas é importante destacar que o valor das obras iniciais incluía o fornecimento de trem, de trilhos, de cabos, de postes e de subestações. Esses equipamentos já estão todos no canteiro de obras. Você não precisa comprar nada. O que precisamos agora é de mão de obra. É montar. Além disso, as estações, os centros de comando, os viadutos já estão prontos.”

Piccolli garante que a possibilidade de o Estado desistir do VLT e retomar a ideia de construir o BRT, como já chegou a ser cogitado por Taques, não faz parte dos planos do governo.

“Nós temos, ali, mais de 300 milhões de euros em equipamentos. Não somos loucos de deixá-los parados. Estamos procurando fazer um negócio com seriedade e responsabilidade. Não queremos fazer lambança igual foi feito anteriormente, não. Muito pelo contrário”, afirma.

Mas, na avaliação do engenheiro Miguel Miranda, o alto custo poderá levar o Estado a desistir do modal.

“Com correções cambiais, reajustes e itens que ainda faltam ser pagos, como desapropriações, a obra não sai por menos de R$ 2,1 bilhões. Ou seja, o preço inicial aumentou, praticamente, 70%. Quem é o governador que vai ter coragem de tirar esse projeto do papel e fazer isso a esse preço?”

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