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A fruta que é hortaliça

Os morangos enganam, mas mesmo os azedinhos aliviam e fazem estresse ficar doce

Publicado

Autor/Imagem:
Thalita Delgado - Texto e Foto

Eu ia atravessar a rua, quando vi a caixa de morangos na calçada. Por uns cinco segundos eu pensei “coitados, tá tão caro a caixa de morango. Quem desperdiça os morangos, gente?”.

Eram muitos morangos, eles nem estavam tão feios, dava pra fazer uma vitamina, uma caipirinha, um geleia, um bolo, qualquer coisa. O estado deles nem era tão ruim… Mas não, eles estavam sendo descartados assim, ao léu, em plena luz do dia, como se não fossem nada.

— Deus, ando sentimental até com os morangos, imagina com cachorros e pessoas.

No meio dos meus devaneios com os morangos, o sinal abriu e eu segui a vida, ainda tinha uns quatro quarteirões para andar até chegar no meio do caminho de casa. Por mais que eu andasse, nada me tirava da cabeça os morangos. Lembrei das formigas, que me lembraram o café, que me lembrou que às 7h da manhã eu estava com o Instagram aberto e vi um post que dizia, entre outras coisas: “a vida não é um morango”.

Não sei de onde vêm essas gírias que, em menos de três dias, a gente já pegou pra uso comum. ‘Tava’ aí o porquê dos morangos não saírem da minha cabeça!

Gente, a vida é um morango, SIM!

Não sei qual foi a última vez que você comeu um, mas, assim, eles não são doces por completo e, no final, sempre tem um azedinho meio estranho, sabe?

Eu nunca comi morangos que fossem 100% gostosinhos e doces. Lindos eles são, não há dúvidas, mas, gostosos por completo?
Docinho e super saboroso? Só com leite condensado junto. Aí sim, clássico da gostosura. A combinação perfeita, o azedinho do morango te faz não sentir o doce do leite condensado e, assim, a gente pode mergulhar por inteiro a colher, a tristeza, a sobremesa ou a vida.

Aí, me vem o povo, com essa criatividade surreal, e me fala “a vida não é um morango”. Uai gente, mas, assim, a vida não tem um doce e um azedo tudo junto e misturado? A vida cotidiana não é isso da gente uma hora estar sentindo as coisas boas e, em menos de horas, as coisas desandam e a gente começa a sentir o amargor, muitas vezes das próprias escolhas? Não é a gente achar uma coisa linda, reluzente, charmosa e se jogar de cabeça e perceber que, no começo, é uma delícia e depois ela começa a ficar um pouco meio amarga e perder a graça? Não é a gente escolher a bandeja inteira, porque a superfície é linda, e a parte de baixo tá tudo mofado? Eu poderia ficar aqui fazendo metáforas que acho que têm 100% de conexão com morangos, mas acho que vocês já entenderam aonde quero chegar.

Pois é, morangos, não é mesmo?

Lindos, mas que enganam… morango é uma hortaliça que nem a alface, e não uma fruta que nem a banana. Ou seja, nem preciso dizer que temos aqui mais uma comparação com nossa doce e linda vida.

Na minha cabeça, a comparação se faz pela beleza, ou pela doçura. Portanto, não sei qual foi a mente genial que inventou isso, mas se pudesse dizer algo, diria:

— Você está errado.

Talvez a frase deveria ser “a vida não é uma manga”, a fruta mais doce do mundo, ou, talvez, “a vida não é uma banana” segunda fruta mais doce, porque, na verdade, a gente quer coisas doces, leves, fáceis e gostosinhas.

A gente não quer ter mini surtos diários com o cartão de crédito, o banco, a conta de luz, a moça do telemarketing. A gente não quer conversas difíceis dia sim, dia também. A gente quer vida tranquila, boa, confortável, até ter uma e começar a sentir falta do que tinha.

A vida nos engana, meus amores, dias sim, dias também. E cabe à gente saber se vamos colocar um leite condensado na hortaliça, quer dizer, fruta…

Ah, não! Coma da forma que preferir.

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Thalita por Thalita – Sou muitas, algumas eu já fui, algumas ainda serei, mas, no fundo, sempre mudando. Jornalista por teimosia. Publicitária por conveniência. Empresária por exigência da vida. Crocheteira e escritora por acreditar nos sonhos e por precisar da arte para me expressar e sobreviver. Músicas, livros, linhas, sebos, cafés e cervejas no meio deles, me perco no tempo e me encontro na sensibilidade das pequenas coisas cotidianas. Na pluralidade do que me constitui, elegi o caminho das histórias para sensibilizar quem, assim como muita gente, acredita que a vida se faz rindo e chorando, título do primeiro livro lançado em 2024 pela Editora Autoria.

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