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Inversão de valores

País da ilegalidade, por quanto tempo dura uma lei no Brasil?

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Autor/Imagem:
Wenceslau Araújo - Foto de Arquivo

Norma escrita e emanada do poder competente, a lei é o pronunciamento solene do direito. De acordo com o artigo 5, inciso II, da Constituição federal, ninguém pode ser obrigado a fazer ou a deixar de fazer alguma coisa, senão em virtude da lei. Lindo e quase poético, o enunciado, no entanto, foi elaborado para inglês ver. É mais uma das numerosas lendas urbanas que empurram na população da Terra Brasilis. Na verdade, na população carente da Terra de Vera Cruz. Com a naturalidade de uma criança recém-saída das fraldas, os abastados saltam diariamente sobre as leis como se fossem um monte de bosta. Que atire a primeira pedra quem achar que estou narrando alguma bobagem.

Como acreditar na seriedade de um país em que poucos respeitam as leis? Como enaltecer uma nação onde leis são criadas para acabar com leis existentes? Como respeitar um povo cuja maioria prefere ser fora da lei? Enfim, parece que as leis no Brasil deixam de valer rapidamente porque incomodam e prejudicam os poderosos. Coitadinhos!!! Por isso, elas são desacreditadas. Antes que elas maculem a imagem de corruptos e bandidos de colarinho branco, melhor jogá-las na lixeira mais profunda. Infelizmente, leis de qualquer tipo só alcançam pobres e negros. Estes são diferenciados. Quando não morrem de inanição ou por bala perdida, são tratados a ferro e fogo pela classe dominante e pelo Estado.

No vale tudo do país do arremedo de leis, violam impunemente teto de gastos para garantir eleição ou reeleição, retiram recursos de pesquisas para financiar compras eleitoreiras, anulam condenação de envolvidos nas mortes de 242 pessoas (caso da Boate Kiss), retroagem a Lei de Improbidade para beneficiar candidatos do esquemão, ameaçam instituições, absolvem réus confessos por filigranas subjetivas da lei, bêbados matam diariamente no trânsito. E ninguém é punido ou preso por isso. Provas são entendidas como indícios e, no fim e ao cabo, fica o dito pelo não dito. Alguns desses réus acabam recebendo medalhas de Honra ao Mérito das entidades que desonraram, do tribunal que deveria mantê-los recolhidos e até dos governos que pilharam. É a inversão mais absoluta de valores.

Recolhimento no Brasil é para desempregados que não conseguem pagar pensão alimentícia ou para pais de família que eventualmente roubam o que comer. Por exemplo, quais dos envolvidos no Mensalão permanecem preso? Nenhum. E da Lava Jato? Também nenhum. Só para ilustrar, de tristes lembranças para o país, os ex-deputados federais Roberto Jefferson e Eduardo Cunha foram cassados, mas, pelo bem da pobre nação, circulam por salões nobres e são candidatos. Em prisão domiciliar, o primeiro disputará a Presidência da República com o argumento de que sua postulação é necessária para convencer a direita a votar no dia 2 de outubro. Cunha tentará voltar à Câmara por São Paulo.

E nós? É créu e mais créu no caneco. São as nossas idiossincrasias. Antes de ser assassinado em 1973, um importante líder sul-americano disse que não basta que todos sejam iguais perante a lei. Segundo ele, é preciso que a lei seja igual perante a todos. Bobagem imaginar que um dia atingiremos esse patamar. Nossa realidade é dura, curta e grossa. Por aqui, as leis foram criadas para proteger direitos de grupos dominantes. Para assegurar os direitos da elite, a lei da força. Já para garantir os deveres das minorias, a força da lei. Simples assim. Eleitos pelo povo, os fazedores de lei normalmente recebem o santo errado quando legislam. Destinado a julgar, de acordo com a lei, os conflitos da sociedade, o Poder Judiciário interpreta e aplica o direito com variações interessantes.

Pode não ser comum, mas, por vezes, essas variações são bastante duvidosas, isto é, brotam ao sabor dos casos apresentados e do poder de persuasão do tribuno. Baseados na caduquice das leis e com critérios pra lá de subjetivos, o Judiciário que condena é o mesmo que absolve. A impressão é que o entendimento varia segundo o humor do julgador e, principalmente, conforme a instância. Prova disso é que causas idênticas nem sempre têm argumentos e resultados convergentes. Pior são os posicionamentos conflitantes de um mesmo magistrado em colegiados distintos. A realidade é que, interpretativo até a última gota, o direito tem poucas nuances favoráveis às massas. Sério e de complicada solução, o problema é do povo pagador de impostos e tem muito a ver com nosso eterno silêncio. Está provado que, quando os bons se calam, os maus se fortalecem.

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