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Vendendo o que é nosso

País quebrado. Haverá espaço para socialismo?

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Autor/Imagem:
Paulo Cannabrava Filho/Diálogos do Sul

O superministro da Economia, Paulo Guedes, o neoliberal da escola austríaca que quer acabar com o Estado, tem manifestado que está com pressa, quer avançar nas “reformas” e no acelerar o processo de privatização. O que ele vem fazendo à perfeição, sem nenhum impedimento: vendendo os ativos nacionais para enfrentar os gastos correntes da administração. Nenhum centavo em investimento produtivo.

Essa é a realidade conjuntural e o perigo real que se antepõe à Nação: o desmantelamento do Estado e suas instituições e a venda das riquezas nacionais.

Diante disso, vejamos como reagem, parte de nossa mídia e os que se dizem salvadores da pátria.

Fernando Henrique Cardoso, vestal do tucanato, quer um centro democrático, que não seja o Centrão (sic) seja o foco de um liberalismo progressista. Dá pra acreditar. FHC, para mim, representa o protótipo do intelectual desonesto. O professor de Direito Comparato, da USP, disse uma vez que o correto seria submetê-lo a um tribunal popular por crime de traição à pátria.

O fato é que FHC se colocou a serviço dos amos imperiais dominadores cujo objetivo é a colocar o país sob a hegemonia do pensamento único e sob a tutela dos Estados Unidos.

Foi FHC quem começou o que este governo de ocupação está terminando.

Enquanto isso, em alguns países de Nossa América, ventos libertários açoitam as ruas exigindo o fim do neoliberalismo.

Impressiona como até as vésperas das multitudinárias manifestações no Chile, o neoliberalismo chileno vinha sendo apresentado como modelo de sucesso que criou uma classe média e manteve taxas de crescimento constantes e razoáveis.

As explicações chegam nos vídeos gravados por celulares pelos próprios manifestantes, nos cartazes que carregam, nas canções com que animam as manifestação. Não é por causa de 30 pesos… são 30 anos! Por la vida! Chile Libertad!

Como não há neoliberalismo sem repressão, pois se trata de uma ditadura do pensamento único, os manifestantes são reprimidos violentamente, uns 30 mortos, centenas de prisões todos os dias, maus-tratos nos cárceres. Apanham por querer liberdade. Como agora são muito, fica mais difícil ser reprimido.

Vale dar uma olhada ao passado histórico. O que é que o povo pretendia, em 1779, ao protagonizar a Revolução Francesa? A queda da Bastilha, aquilo que foi o símbolo do terror imposto por uma monarquia absoluta, se deu aos gritos de Liberté, Fraternité, Egalité… – por que não a chamam de ditadura monárquica?

Veja que séculos depois, em 1968, houve outra insurgência na França. Depois de duas guerras inter-imperialistas, que custaram milhões de mortos, o fantasma dos campos de concentração, da repressão brutal inclusive nos costumes, sob falsa moral religiosa. Como se não bastasse o país ainda se mantinha sob ocupação das tropas “libertadoras” , digo, nova ocupação imperial agora tendo como eixo os EUA.

Em maio de 1968 a juventude se insurge sob o grito É proibido proibir! frase que resume a ânsia por liberdade, de resistir contra a opressão. A classe operária se une à juventude e faz as coisas acontecerem.

Passados meio século, Paris se torna de novo emblemática, com o povo ocupando outra vez as ruas, esta vez vestido de colete amarelo. O que reivindicam? Certamente não são os 30 centavos de aumento numa passagem, más sim 30 anos ou mais de frustração, enganação, que acabaram por destruir a sociedade de bem-estar tão arduamente conquistada pela classe operária numa aliança entre socialistas e comunistas.

Durou pouco a festa. A partir de 1980, Paris se tornou uma uma cidade como São Paulo ou Rio de Janeiro, cercada por uma outra cidade, a dos excluídos, escondida dos turistas, longe dos ricos que vivem em condomínios fechados e andam em carro blindado.

A ordem para derrubar o presidente Salvador Allende no Chile veio diretamente da Casa Branca e foram pilotos ianques que bombardearam o palácio La Moneda. Nos enganaram com o conto de que Allende se suicidou. A ciência moderna comprovou que foi fuzilado… e a ordem, com certeza veio de Washington.

Sob os estertores do neoliberalismo alguém registrou, que nos 29 anos de democracia, a Direita governou 5 e a Esquerda, da Concertación, 24. Es ai algo pra ser meditado porque tem muito a ver com o ciclo progressistas por qual passaram os países de Nossa América e que nesse momento parece pretender ressurgir das cinzas.

No Chile os 24 anos de Concertación transcorreram sob a mesma Constituição outorgada pela ditadura de Pinochet. Constituição que o povo não opinou nem votou. Em quase um lustro de governo em nada foi alterado o projeto neoliberal implantado por Pinochet.

O desemprego é estrutural, não é simples sequela do mau governo de Sebastián Piñera. O caldeirão tinha que explodir e aconteceu quando Piñera passou dos limites.

Será que teremos no Brasil esperar duas décadas para que o caldeirão exploda? Gente, já são 50 anos da democratização do país e o Paulo Guedes já passou dos limites. Não haverá país nenhum, parafraseando Ignácio de Loyola, esse grande jornalista, melhor romancista.

Mino Carta, veterano jornalista que com galhardia consegue manter uma voz dissonante nesse deserto midiático de ideias, na edição datada de 6/11/2019, comenta essa história de dizer que o país esta ameaçado pelo comunismo, para justificar o golpe de 1964, e ainda usar o mesmo pretexto nos dias de hoje para manter um discurso que gera ódio contra o contrário.

Nunca esteve, pontifica Mino. Demonstra lembrando de fatos históricos e conclui que isso gerou um exército de ocupação que comanda a resistência a qualquer esforço democrático em busca da contemporaneidade do mundo.

Bingo! Essa tem sido a tecla martelada por Diálogos do Sul desde sempre. O que temos no Brasil é um governo de ocupação, governado por uma junta militar de 8 generais, um brigadeiro e um almirante. Mais de cem oficiais ocupam cargos de primeiro e segundo escalão, e a soma total ultrapassa de mil.

Sendo esse governo de ocupação submisso ao comando estratégico dos Estados Unidos, temos que mobilizar a população para uma luta de libertação nacional.

Pegando o gancho do Mino Carta quando constata que nem Vargas nem Lula constituíram ameaça comunista, vale uma reflexão sobre esses personagens históricos.

Getúlio Vargas era estancieiro gaúcho com tradição guerreira libertária. Tinha o senso estratégico do curto e do longo prazo e a práxis de um estadista. Planejou organizar a poupança da produção agropecuária e minério-extrativista para iniciar a industrialização do país. Deu muita trombada com os oligarcas descendentes de cortesãos escravagistas que viam o território como uma capitania hereditária, sem limites.

A própria estrutura do Estado, bem como a da administração pública, herdadas das cortes, portuguesa e imperial, conspiravam contra qualquer alteração do status quo. Além disso o dinheiro era pouco para tão ousado projeto, mas era premente a necessidade de mudança.

Com o crescimento do setor industrial crescem também duas classes sociais, a dos proprietários dos meios e a dos trabalhadores. Vargas organizou essas categorias e para regular a relação entre ambas, num pacto que tornaria possível o desenvolvimento, criou a CLT.

Veio a 2a Guerra Mundial e criou situação favorável para os países suprirem as potências beligerantes. Estados Unidos executaram com grande maestria essa modalidade. Em meio da guerra, com as mudanças na geopolítica, Estados Unidos resolveu não entrar na guerra mas financiar e ajudar a Europa, emprestando dinheiro para as economias em guerra e vendendo material bélico.

Para entrarem na guerra os EUA planejaram primeiro ocupar o Brasil. Já era uma grande potência econômica e militar em expansão com bases militares por toda parte do mundo. Vargas conseguiu resistir às pressões de Roosevelt, entregou apenas uns poucos espaços para umas tantas bases no norte e nordeste. Terminado o conflito conseguiu financiamento e transferência de tecnologia para pôr em funcionamento a CSN. Investiu forte na educação e na infraestrutura e colocou nos trilhos o projeto desenvolvimentista que fez do Brasil uma país industrializado e de pleno emprego.

Vargas e Perón, longe de serem comunistas, combatiam, prendiam e torturavam os comunistas. Ambos, tinham medo atávico na União Soviética e combateram a influência dos comunistas no movimento sindical. Eles imaginaram para seus países uma social-democracia e desenvolvimento através da industrialização.

Perón criou o Partido Justicialista para organizar o povo em apoio de seu projeto. Vargas criou o Partido Trabalhista Brasileiro com essa mesma intenção. João Goulart (Jango), Anísio Teixeira, Darcy Ribeiro, Leonel Brizola, eram a esquerda desse trabalhismo que consideravam ser o caminho para construir a sociedade socialista. Uma esquerda culta que queria sobretudo educar o povo.

Algo parecido ocorreu mais tarde com o PDT de Leonel Brizola, que propunha a retomada do pacto em torno do projeto desenvolvimentista de Vargas com o agregado de utilizar o trabalhismo como caminho para o socialismo. Esse projeto foi enterrado com a morte de seus próceres.

Quando da formação do Partido dos Trabalhadores, Florestan Fernandes, Paulo Freire, Luiza Erundina, sindicalista e jovens oriundos das organizações armadas que lutaram contra a ditadura eram a esquerda do PT. Eles tinham um projeto na cabeça. Educar o povo e conduzir o país ao socialismo pela via do novo trabalhismo.

São as palavras que unem as duas vertentes históricas: Educar e Socializar.

Interessante como essa ideia do Pacto volta a tona diante da crise sistêmica que apavora os setores onde ainda há vida inteligente. A Confederação Nacional da Indústria, patronal, CNTI, em outubro realizou um Seminário pelo Futuro do Trabalho com a presença de líderes empresariais e dirigentes das seis principais centrais operárias. Qual o diagnóstico?

O grande desafio é a educação, capacitar as pessoas para o trabalho, e um pacto para a retomada do desenvolvimento industrial. Importante porque parte daqueles que desfizeram, ou deixaram que se desfizesse o pacto.

Lula surge como líder no auge do movimento de reorganização do movimento sindical que ocorria em todo o país. Mas Lula não era de esquerda. O novo sindicalismo de resultado não era um sindicalismo de esquerda, estrito senso. Faltava-lhe uma definição anticapitalista e anti-imperialista sem a qual é impossível construir o socialismo.

Lula, sem dúvida um gênio. O mundo lhe tirou o chapéu. A desenvoltura com que ele transitava entre os mais poderosos do mundo impressionou o presidente Barack Obama, dos EUA “Esse é o cara” disse pro mundo ouvir.

É, esse é o cara que executou um projeto neoliberal. Tentou uma saída desenvolvimentista sem alterar a essência do entrave, a hegemonia do capital financeiro e o pensamento único na mídia. Esse novo sindicalismo trouxe a desagregação do pacto desenvolvimentista. Mudada a correlação de forças nos impuseram a desregulamentação (fim da CLT) e caminham para fim da Justiça do Trabalho.

Houve avanços, políticos e sociais? Sim, mas não é isso o que interessa.

O que interessa é o hoje e o amanhã! O processo colocou o Lula na posição de líder da esquerda.

Gostaria de entrevistá-lo. A primeira vez que estive com Lula, ele morava num sobradinho em São Bernardo do Campo, começo dos anos 1980. Depois, em diversas ocasiões durante as campanhas eleitorais. Depois que assumiu o poder, portas fechadas.

Gostaria de dialogar com ele sobre a conjuntura e sentir até que ponto está disposto a assumir e exercer essa liderança.

A crise que já era profunda, agravou-se com o golpe de 2016 e tornou-se abissal com a captura do poder através de uma Operação de Inteligência das forças armadas. O cenário, após o golpe de 2016, deixou de ser um cenário político-eleitoral e passou a ser cenário de guerra.

Essa é que é a questão. Estamos vítimas de uma guerra que se utiliza das poderosas armas de manipulação político-social, e de uma força armada que deixou de ser guardiã da soberania nacional para submeter-se ao comando estratégico dos Estados Unidos.

É por isso que o conteúdo da luta para as esquerda tem que ser essencialmente anti-capitalista e anti-imperialista.

Escrevo isto na semana em que em todo o Brasil se homenageia a Carlos Marighella. Um comunista que pregava o amor à humanidade e quem melhor entendeu e explicou que a luta a ser travada no país é de Libertação Nacional, numa frente que una todos os patriotas, democratas, humanistas, crentes de todas as crenças, para mudar o modelo na sua essência e abrir caminha para o socialismo.

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