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Marielle, os alfas e os betas

Parlamentares preferem tomar decisões com argila mole

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Autor/Imagem:
João Moura* - Foto de Arquivo

Trabalhando na argila mole, a política busca construir a forma se pautando pelo suprimento das necessidades. Algo como alfa e beta fazendo viver além do conflito constante entre a satisfação e a frustração.

Trabalhar na “argila mole” implica ser maleável e receptivo a diferentes direções ou exigências, em vez de aderir rigidamente a um plano ou método específico.

A política está relacionada com aquilo que diz respeito ao bem público, à vida em comum, às regras, leis e normas de conduta dessa vida, nesse espaço, e, sobretudo, ao ato de decisão que afetará todas essas questões. Em suma, a política foi criada para regular os conflitos.

Como disse Aristóteles, política é essencialmente associada à moral. Isto porque a finalidade última do Estado é a virtude, ou seja, a formação moral das pessoas e o conjunto de meios necessários para que isso ocorra. Outros a definem como conhecimento ou estudo das relações de regularidade e concordância dos fatos com os motivos que inspiram as lutas em torno do poder do Estado e entre os Estados.

Cientes de que o mundo não se muda do dia para a noite, mas pela continuidade das aspirações através das gerações, não podemos nos apegar ao fruto de nossas ações, nem tampouco nos abalarmos com as eventuais frustrações, porque ao suprirmos as necessidades grupais, a continuidade é garantida. Somente experimentaremos liberdade quando nos aventurarmos para além da coreografia de satisfação e frustações de nossos desejos individuais.

Vamos a um exemplo recente: deputados federais decidiram manter a prisão do colega Chiquinho Brazão, com a maior parte dos parlamentares trabalhando na argila mole; uma outra parte tentou fazer algo que fosse beta; já uma parte considerável buscou fazer algo que fosse alfa.

Foram 277 votos favoráveis à prisão de Chiquinho Brazão, suspeito de mandar matar a vereadora Marielle Franco e de obstruir as investigações sobre o caso; outros 129 parlamentares foram contrários à prisão. As abstenções somaram 28 e os ausentes, 79, com quórum total de 435 parlamentares presentes na votação. Somados, os votos contrários, abstenções e faltosos, temos 226 parlamentares que, por algum motivo, não aceitavam a prisão do suspeito.

O que mais impressionou nessa votação foi a quantidade de votos contrários à prisão de Chiquinho Brazão, que incluíam parlamentares que, antes do nome próprio vem a patente do cargo, conhecidos por “coronel”, “delegado” – figuras que, pela estirpe da patente e da função, deveriam exibir autoconfiança, determinação e firmeza em suas ações e decisões.

Não foi o que se vivenciou naquele dia no plenário da Câmara. A maior bancada pertence ao PL – são 95 deputados. Desses, 71 votaram contra a prisão.

Literalmente, trabalhando com argila mole. Isso se refere ao processo de moldar e esculpir objetos usando argila que ainda está úmida e maleável. Mas, nesse contexto, “trabalhar na argila mole” descreve a ação física de manipular o material para criar formas desejadas. E foi isso que as forças políticas que se julgam “fazer algo que fosse alfa”, ou seja, considerada superior, dominante ou altamente eficaz em relação a outras alternativas.

O termo “alfa” é frequentemente associado a características de liderança, excelência e supremacia. Nitidamente não é o caso dos integrantes do PL, salvo raríssimas exceções – justamente os 7 que se opuseram a orientação da legenda nesse fatídico e marcante dia de votação no parlamento brasileiro. Nada mais que o essencial, muito menos que o esperado!

Por isso existem os alfas. E os betas.

*João Moura é Designer Thinker e observador da anatomia de governos e sociedade.

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