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Sem bobeiras

Passo a passo para uso da maconha na saúde

Publicado

Autor/Imagem:
Ludimila Honorato

O uso medicinal da maconha é um tema que, vez ou outra, volta a ser discutido por governantes, médicos, indústrias e pacientes. Remédios à base de canabidiol, por exemplo, podem ser importados mediante prescrição médica e autorização da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Mas, devido ao alto custo, demora e burocracia para consegui-los, o debate gira em torno da liberação do cultivo e produção da planta no Brasil. O tema, inclusive, foi levado à consulta pública pelo órgão regulatório em junho deste ano.

Por ser considerada uma droga psicoativa ilegal, a discussão se resume, de um lado, nos benefícios do uso de compostos da maconha para tratamento de diversas doenças — além de redução de tempo e custo. Segundo uma pesquisa do DataSenado, 75% da população brasileira apoia a autorização para a indústria produzir medicamentos à base da planta da maconha. De outro, os argumentos se baseiam nas políticas antidrogas, na possibilidade de dependência química e aumento do tráfico de drogas.

“A maconha é medicinal há mais de cinco mil anos e grandes empresas produziam elixirs e vendiam no boticário”, diz a psiquiatra Eliane Nunes, diretora geral da Associação Brasileira de Estudos da Cannabis Sativa. Ela conta que, desde a década de 1960, são feitos estudos e pesquisas sobre o uso medicinal da maconha, que pode ser usada para casos de epilepsia, autismo, tratamento da dor e Alzheimer, por exemplo.

Segundo a especialista, o canabidiol em si não causa dependência química e pesquisadores ao redor do mundo têm buscado combinar mais de uma substância da planta para tratar diversas enfermidades.

O que é canabidiol?
O canabidiol, também conhecido por CBD, é um dos mais de cem componentes da Cannabis sativa, nome científico da maconha. Esse composto é um dos mais estudados para fins medicinais e, nos Estados Unidos, é usado como suplemento alimentar.

Para quais doenças pode ser usada?
Em 2014, o Conselho Federal de Medicina autorizou o uso compassivo do canabidiol para crianças e adolescentes com epilepsias refratárias. No ano seguinte, a Anvisa determinou que medicamentos à base de canabidiol podem ser prescritos por qualquer especialidade médica e para qualquer doença, também de modo compassivo. Isso quer dizer que o remédio só pode ser indicado após o paciente ter tentado outros tratamentos que não surtiram efeito positivo. No entanto, a psiquiatra afirma que o médico, se quiser, pode se comprometer a prescrever a substância como tratamento inicial, a depender da gravidade do caso.

Há risco de dependência química?
Segundo Eliane, não. Ela afirma que as pessoas que usam esse argumento contra o uso medicinal da planta se baseiam em uma pesquisa nos anos 1980-1990 que mostrou que macacos apresentaram dependência após intoxicação com a fumaça da substância. “[O canabidiol] não causa mais dependência do que álcool e tabaco. Tem de entrar no terreno da individualidade”, afirma a especialista. Segundo ela, algumas pessoas são mais suscetíveis, por questões genéticas, por exemplo, à dependência química, mas a substância da maconha não provoca esse efeito. Nesse ponto, a discussão gira em torno do tetrahidrocannabinol (THC), psicotrópico que regula os efeitos do produto e causaria dependência. Mas a psiquiatra informa que esse componente é modulado pelo canabidiol e pode ser prescrito de acordo com a necessidade do paciente.

De que forma age?
Todos nós possuímos o sistema endocanabinóide, que pode desempenhar diferentes funções: regular processos fisiológicos e cognitivos, sensação de dor, humor, memória e mediar os efeitos farmacológicos da cannabis. Em algumas doenças, esse sistema está desregulado, para mais ou para menos, e o uso da planta estimula os receptores que vão promover uma imunomodulação. Com o sistema regulado, os benefícios incluem melhora da imunidade, diminuição da irritabilidade e de crises convulsivas, por exemplo. No caso do Alzheimer, por exemplo, a planta estimula a neurogênese, ou seja, processo de formação de novos neurônios.

Quais são os benefícios?
A maconha é uma planta milenarmente utilizada para diminuir a ansiedade, diz Eliane Nunes. O uso adulto da cannabis é usado para dor, melhorar o humor e, hoje, para prevenção. Por uma questão legal, é oferecido hoje em dia apenas o canabidiol, mas a especialista afirma que o efeito comitiva, que une diversas substâncias da maconha, poderia trazer resultados medicinais melhores. Outro ponto positivo que ela destaca é o uso recreacional da maconha nos Estados Unidos, que reduziu o número de óbitos de pessoas que faziam uso de opiáceos para alívio da dor. “A pessoa vai aumentando a ingestão [do opiáceo] e fica viciada. Como não precisa de receita médica para comprar a planta, ela começa a largar os remédios”, diz a psiquiatra.

Tem efeitos colaterais?
Todo medicamento é passível de apresentar efeitos adversos ou colaterais, mas Eliane Nunes afirma que não há malefícios que impediriam o uso medicinal da maconha. Em crianças, os efeitos podem ser sonolência e intolerância gástrica, por exemplo.

O que a Anvisa fala?
Em 2017, a Anvisa afirmou que não é contrária ao uso da maconha para fins medicinais, desde que seu registro seja aprovado pela agência reguladora. A aprovação leva em conta comprovação de segurança e eficácia do medicamento. No Brasil, está aprovado o Mevatyl, feito à base de THC e canabidiol e indicado para o tratamento de um sintoma relacionado à esclerose múltipla. A regulamentação do plantio da maconha para pesquisa e produção de remédios do País é o que vem sido discutido há anos, o que envolve governo, indústrias e associações de pacientes. Em junho, a Anvisa colocou em consulta pública a regulamentação do cultivo controlado de Cannabis sativa para uso medicinal e científico no País, bem como o registro de medicamentos produzidos com princípios ativos da planta. A discussão se arrasta desde 2017 no órgão e não tem previsão para entrar em vigor.

Qual o preço?
A importadora HempMeds Brasil, por exemplo, vende algumas variedades de medicamento à base de canabidiol que vão de U$ 139 (cerca de R$ 576, na cotação atual) a U$ 329 (cerca de R$ 1.365) por seringa contendo de dez a 15 mililitros do óleo. O Mevatyl, aprovado no País, tem preço médio de R$ 2,5 mil.

Como está o processo?
Depois de a Anvisa colocar em consulta pública o cultivo e uso medicinal da maconha no Brasil, o presidente Jair Bolsonaro e o ministro da Cidadania Osmar Terra se posicionaram contrariamente à resolução. O ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, também afirmou ser contrário. Integrantes do governo defendem medicamentos à base de cannabis sintética como uma alternativa, mas a opção não tem autorização de pesquisa e comercialização no País, segundo a própria Anvisa informou ao Estado.

Como comprar?
Desde 2014, a Anvisa autoriza a importação excepcional de medicamentos à base de canabidiol e de outros canabinóides para uso pessoal. O processo, porém, é demorado e burocrático. Primeiro, é necessário ter uma prescrição médica; depois, o paciente tem de se cadastrar no site do órgão, que vai analisar o pedido para autorizar ou não a importação. O processo ainda inclui a aquisição do produto e liberação na importação. Em alguns casos, a encomenda pode ficar presa da alfândega. Neste link, a Anvisa explica tudo o que é preciso para importar a substância. A partir desta quarta-feira, 2, o pedido para importar canabidiol passou a ser feito por meio do site do governo federal. Veja aqui.

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