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Inferno no ecoturismo

PIB que pariu da terra ameaça Alto Paraíso

Publicado

Autor/Imagem:
Ka Ferriche

As fronteiras entre o bem e o mal podem estar distantes das áreas urbanas. A leitura conceitual dos atores de uma batalha territorial entre o que é certo e o que é errado parece interminável. Cada um dos segmentos tem sua própria contabilidade que merece muita atenção. Neste momento, toda a região de Alto Paraíso de Goiás está nervosa. Às margens da GO 118 que liga Brasília àquela cidade turística e patrimônio natural, as placas que alertam sobre a passagem de animais na rodovia são mera lembrança do passado.

Os únicos animais que atualmente trespassam a GO 118 são aqueles que conduzem tratores e caminhões de soja de um lado pro outro, conhecidos mamíferos devoradores insaciáveis. Onde havia cerrado, um bioma exclusivo, só podem ser vistos voando atualmente os drones e no chão as pegadas de pneus.

Originalmente o Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros tinha 700 mil hectares, reduzidos com a invasão do agronegócio a menos de 10%. Está morrendo. Não há outra expressão: PIB que pariu! Quem tinha o hábito de viajar até Alto Paraíso e São Jorge há poucos anos, contemplava durante as horas do trajeto até lá, tucanos, araras, lobos guará, siriemas, serpentes, abelhas, uma infinidade de vegetais, muitos que exigem décadas até a fase adulta. Em toda a faixa lateral da rodovia o cerrado foi extinto.

Segundo especialistas, depois de exaurido pela lavoura de transgênicos, com o uso de calcário, fertilizantes e agrotóxicos, o cerrado jamais poderá ser recomposto nessas áreas. O impacto nas águas produzidas na região e distribuída para todo o Brasil é devastador. Em curto prazo, cerca de 10 anos, o solo não terá mais utilidade para a agricultura e o estrago será definitivo.

Outra ameaça iminente são as PCHs, Pequenas Centrais Hidrelétricas, outro instrumento de destruição ambiental. É inaceitável que ainda sejam permitidas após o advento da energia fotovoltaica, em território com uma das maiores insolações do mundo. O confronto é mesmo sério.

Voltando ao raciocínio conceitual, o argumento para o avanço da soja e do milho sobre a paisagem biodiversa de 35 milhões de anos é a geração de emprego e renda. Opositores provam o contrário e alertam que a indústria do turismo é a maior na economia formal mundial. Considerando outras práticas, só perde para a de armas e drogas. Hoje uma fazenda emprega meia dúzia de funcionários e muitos satélites e notebooks. O turismo emprega comunidades inteiras que recebem formação em curto prazo de tempo, de forma diversificada, em serviços, hotelaria e alimentação. Indústria limpa.

A produção do agronegócio não alimenta nenhum habitante local, mas põe a mesa dos chineses e engorda seus pratos prediletos: pato, vaca, porco, cachorro. Com a soja, vão pra China nossa água e oxigênio. Por outro lado, a agricultura familiar regional é a responsável pela alimentação dos brasileiros locais. E o turismo, pela renda. No caso específico de Alto Paraíso, é visível o desenvolvimento imediato gerado pelos turistas, após a conclusão da estrada até São Jorge. Surgiram muitos novos negócios, lojinhas, restaurantes e pousadas, diversos serviços, com a geração de emprego e renda distribuídos entre os habitantes. Todos empenhados em preservar a matéria prima do negócio: a natureza.

Um dos maiores responsáveis pela extinção do cerrado na região, Francisco Marsal, autor da máxima “Preservar é o pior negócio do mundo”, é conhecido pelo apetite em consumir reservas naturais. Em 2017, quem consumiu o Parque Nacional foi um dos maiores incêndios já registrados. Dizem que criminoso mas de autoria desconhecida. Segundo fontes, Marsal estaria agora investindo sobre áreas não próprias para colheitadeiras, mas para a especulação imobiliária. Em uma reserva cuja propriedade é difusa, preservada e mantida intacta pela iniciativa de alguns ocupantes idealistas ambientais – há vários anos e com recursos próprios – conhecida como Vale Dourado, Marsal estaria incentivando o fracionamento e venda, segundo seu próprio parceiro na iniciativa, agora investigado.

Afirmam os adversários que ele é simpático à ideia de fazer da reserva natural uma espécie de Minha Casa, Minha Vida. A documentação descoberta já foi encaminha ao Ministério Público e à Polícia Federal. É dele também a afirmativa: “Eu sei usar bem os tribunais”. Esse desafio verbal, que soa como suspeição sobre os juízes e ministros em Brasília, também foi encaminhado em vídeo aos procuradores da PGR. Outro fato relevante a ser verificado é uma convocação feita pelo prefeito de Alto Paraíso de Goiás, Martinho Mendes da Silva, para uma Audiência Pública no dia 28 de agosto próximo, em que será apresentado o projeto do Plano Diretor Municipal.

O instituto da Audiência Pública, para a maioria dos legalistas, não é nada mais nada menos que um instrumento oficial para legitimar qualquer coisa, nem sempre muito legal. A comunidade espera que não seja o caso. Mas embora não esteja especificado o escopo no edital de convocação, a reunião poderá, entre outras coisas, elevar o gabarito das construções, ampliar a poligonal urbana, criar novos bairros, afinal, auxiliar o bem ou o mal. O cerrado ou a soja. Uma questão de conceito. A comunidade deverá ficar atenta e comparecer. Ou não terão um Vale Dourado preservado no Parque Nacional da Chapada para chamar de seu.

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