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A redondinha é massa

Pizza é majestosa como imperatriz; dizer que tudo acaba nela, é feio

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Autor/Imagem:
Daniel Marchi - Foto de Arquivo

Pizza, ah, pizza! Orbito em volta de teu círculo perfeito de aromas e delícia. Neruda, dentre todas as suas odes, partiu devendo uma ode à pizza, que eu faria se me achasse melhor poeta e estivesse para isso habilitado. Mas não, apenas aprecio o conjunto de suas harmonias. Quantas celebrações e alegrias, conversas e confissões foram feitas num restaurante, em volta de uma pizza. Em casa também se faz, ou se come a que é encomendada pelo aplicativo de comida, todos ficam logo ansiosos, quase tensos achando que o perfeito alimento vem demorando, e consultam se já saiu para entrega. O alívio quando toca a campainha ou se escuta a buzina da motocicleta do entregador: “ – É a pizza!”

Sempre achei que a do restaurante é melhor, embora, às vezes, também me vista de mestre cuca improvisado e faça eu mesmo a massa, separe os tomates para o molho e selecione os queijos da cobertura – que estranhamente muitos chamam de “recheio” – usando como base a sempre útil muçarela, e incrementando com outros, de mais sabor, como o gorgonzola e o canastra bem mineiro. Azeite de oliva e bom orégano são ingredientes que não podem faltar, dos mais nobres!

Mas sigo preferindo a do restaurante. A pizza com amigos, com a família, ou com aquela linda dama que queremos namorar. Em volta da pizza vão se fazendo confissões, ajustes e até traçando a rota até o matrimônio. A pizza é uma celebração! Um verdadeiro estado de espírito.

Não me recordo de haver, nestes mais de 40 anos de vida, ter comido uma pizza sozinho. Desconheço cena mais triste que chamar um garçom, solitário à mesa, e pedir uma pizza. Neste caso, qualquer tamanho ficaria impróprio, até mesmo uma brotinho. Pizza pressupõe boas conversas, uma razão relevante para estar reunido em volta dela, a quem se deve tratar com uma certa reverência.

Esta é a pizza!

Não gosto dessa conotação pejorativa que se inventou entre nós, para dizer que situações ilegais e injustas, cheias de prevaricação, “acabam em pizza”. É no mínimo um desdouro à gentil majestade desse nobilíssimo alimento que, ao contrário do que dizem algumas mães preocupadas com a nutrição dos filhos, é uma refeição completa sim, e estamos combinados!

Os paulistas, conhecedores das melhores pizzas do Brasil, ressentem-se do carioquíssimo hábito de pôr-lhe catchup, ou a hedionda mostarda amarela. Outros irmãos brasileiros deitam-lhe maionese e até pimenta em cima. Para mim basta a pizza, em toda a sua pureza original.

Gosto tanto que, da primeira vez que fui à Itália, percorri, por mais de trinta dias, inúmeras cidades a bordo de um pequeno Fiat 500 com um teto solar de vidro que fazia brilhar sobre mim o mais cruel sol de verão, e minha compensação era, em cada local, fugindo de restaurantes de turista, provar diversas pizzas. Pizzas locais, de vizinhança, de gente do dia-a-dia. A melhor de todas foi a de uma padaria na Via di Boccea, em Roma.

Andei percorrendo antigas revistas e jornais brasileiros e descobri que, até os anos de 1950, não há referências à pizza entre nós. Fiquei espantado e, ao mesmo tempo, reforçou-se em mim a consciência de suas indubitáveis qualidades – em pouco mais de setenta anos, um prato foi do absoluto ostracismo para a mais orgânica popularidade.

Ela vai timidamente aparecendo ali por 1952, 1953, em colunas de jornais e revistas, com receitas cuja massa era alta e feita com farinha e batatas cozidas e, na cobertura, levava nada mais que molho de tomates e aliche, e devia ser oferecida como entrada. Sem queijo! Depois, ao longo dos anos, vão recomendando acrescentar-lhe “queijo-cavalo”, a nossa já conhecida muçarela, e orégano.

E assim a pizza foi sendo, devagar, consolidada na culinária brasileira, no panteão de nossos sensacionais pratos, podendo competir dignamente com qualquer acarajé, feijão-tropeiro, mandioca ou pato no tucupi. E não venham me dizer que ela é forasteira, porque em matéria de alimentação devemos ser universalistas, ecumênicos, sem qualquer preconceito ou xenofobia. A pizza é um fato social, consolidado. E, isso eu também posso testemunhar, há formas de montá-la muito populares entre nós, mas absolutamente desconhecidas dentre seus conterrâneos italianos.

Sempre desconfiei de gente que não gosta de pizza, salvo os que se justificam pela intolerância ao leite e derivados. Mas isso talvez se amenize usando queijo sem lactose. Excelente solução.

Por sorte, tenho perto de mim um restaurante, bem conhecido no Rio de Janeiro, que tem uma ótima pizza. A segunda na minha preferência, abaixo daquela romana. Vez ou outra, abandonando a ortodoxia, aceito até comê-la, no rodízio dessa casa, coberta de strogonoff, o que alguns convivas já classificaram como crime hediondo.

Para acompanhá-la, qualquer bebida. As pizzas mais nobres vão bem com bons vinhos ou mesmo cerveja artesanal. Se quiser ousar, pode ser até um “spritz”. As mais ordinárias aceitam a companhia de qualquer guaraná gelado.

A pizza é a pizza, recém saída do forno a lenha ou de um micro-ondas. Alguns gostam dela dormida, diretamente retirada da geladeira onde passou a noite.

Sigamos, pois, nossas vidas lembrando que as melhores horas podem ser coroadas por essa arrojada solução gastronômica que, com estima e recato, saúdo sinceramente.

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