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Garganta Profunda

Planalto demite espião da cozinha de Jair Bolsonaro

Publicado

Autor/Imagem:
Ka Ferriche

Pouca ou nenhuma atenção foi dada ao fato de, na primeira viagem do presidente Jair Bolsonaro ao Exterior, a comitiva ter levado na bagagem um cidadão de nome Tiago Pereira Gonçalves. Ele talvez não mereça mesmo atenção. Mas o fato ocorrido, embora sem maiores consequências, sim.

O assessor de imprensa, que durante a campanha eleitoral propagou seu alinhamento com o #ELENÃO, defendido por parcela da grande imprensa e aguerridos adversários, se fingiu de morto e migrou do governo Dilma/Temer para o atual e foi parar em Davos, Suíça.

No sacolejo do bagageiro ele não deu um pio. Isso sim, merece atenção. Quando Onyx Lorenzoni ligou o seu liquidificador para triturar centenas de petistas que habitavam o Palácio do Planalto – dizem que foram 300 -, deixou para trás exatamente o comissionado de 10 mil moedas, cujo primeiro ato foi justificar publicamente, no Fórum Econômico Mundial, o cancelamento da entrevista que daria Bolsonaro, alegando antiprofissionalismo da imprensa.

Agora, após sua tardia exoneração, Tiago será para sempre o ícone de como é difícil a tarefa de construir um novo governo com pessoas alinhadas aos ideais de sua plataforma.

O universo é gigantesco. Só para balizar o Efeito Tiago na formação de novas equipes, devemos observar alguns números: o TCU – Tribunal de Contas da União, em levantamento da era Dilma/Temer, identificou que 1 milhão de postos no serviço público era ocupado por pessoas em cargo de confiança (concursados com gratificação) e comissionados (não concursados).

Por mês, são torrados R$ 3,5 bi com eles. A promessa de enxugamento da folha, a partir do dia 1º de janeiro último para cortar gastos, não poderá ser integralmente cumprida pelo Executivo. Cerca de 70% das cadeiras são ocupadas pelo Legislativo e Judiciário. Nestes poderes, os comissionados representam mais de 50% do efetivo.

Mesmo que o Palácio do Planalto promova uma assepsia nos mais de 270 órgãos federais, dos quais 65 têm a totalidade da sua folha naquela condição, Bolsonaro estará sempre sob a ameaça do Efeito Tiago. Talvez estejam esperando um belo e nobre gesto dos indesejáveis infiltrados herdados, de espontaneamente apresentar seus crachás vermelhos e pedir para sair. Isso não vai acontecer.

Além de outros partidos, ocupam a maioria dos cargos comissionados o PT, PMDB, PSDB e PDT. Mais da metade. É muita gente.

A arte de conviver com o inimigo que está ao lado deverá ser uma prática mais atenciosa. O assessor de imprensa Tiago Gonçalves obteve a notoriedade que desejava. Breve, entretanto. Sua inspiração talvez tenha sido a história dos jornalistas Bob Woodward e Carl Bernstein, do caso Watergate, que provocou o impeachment do presidente dos EUA, Richard Nixon, em agosto de 1974.

Importantes observadores do Planalto entendem que na condição de assessor de imprensa, instalado na cozinha de Bolsonaro, Tiago estava mais para candidato a Garganta Profunda – a fonte -, como ficou conhecido um dos chefes do FBI, Mark Felt, informante que provocou a manchete explosiva do jornal Washington Post no dia 18 de junho de 1972. Por 33 anos sua identidade foi mantida em segredo.

Não deixa de ser um incentivo para essas práticas silenciosas e sorrateiras, ainda que não fosse o caso de Gonçalves, cuja biografia tinha apenas o registro de ocupar um cargo no gabinete do deputado federal Vicente Cândido do PT (SP), outro na gestão de Michel Temer e a militância ferrenha e eletrônica contra o então candidato Bolsonaro em campanha. Além, claro, de afrontar seus coleguinhas da imprensa em Davos, supostamente em nome do presidente.

A opção de adotar o pensamento partidário que bem quiser é um direito do cidadão. Mas a justificativa da inteligência palaciana é a possibilidade de acesso facilitado de alguns cargos às informações de Estado, ou mesmo pessoais de integrantes do governo, que podem ser utilizadas de forma perniciosa. Quando há o menor sinal de desconfiança sobre algum integrante, ainda que não tenha cometido nenhum ilícito, então a arma imediata é mesmo a caneta.

O Efeito Tiago projeta providências imediatas e permanentes a partir de agora em todos os níveis do governo federal. Os responsáveis pela segurança institucional estarão com a responsabilidade de identificar gargantas profundas, que podem estar entre os mais de 100 mil funcionários do Executivo e outros 240 mil do Judiciário e do Legislativo.

Assim, todos os homens do presidente terão muito trabalho pela frente. O Efeito Tiago já estabeleceu novos parâmetros e protocolos no Planalto. A bagagem agora terá várias inspeções.

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