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Psicologia explica

Por que jogadores levam as mãos à cabeça após erros?

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Autor/Imagem:
Pedro Nascimento, Edição

Em jogos de futebol, gols podem ser raros e demorar demais a acontecer, o que ajuda a explicar a natureza delirante da maioria das comemorações quando eles surgem.

Alguns jogadores arrancam as camisas, ou caem de joelhos e deslizam pelo gramado para demonstrar felicidade. É frequente que terminem embaixo de uma pilha de companheiros de time exultantes.

Mas também temos o caso dos jogadores que têm uma oportunidade clara de marcar um gol e, por qualquer que seja a razão, falham. Quando isso acontece, todos fazem a mesma coisa: erguem as mãos à cabeça – aparentemente um gesto universal que significa “mas como eu fui perder essa oportunidade?”

Se você está acompanhando a Copa do Mundo, é provável que o tenha visto dezenas de vezes, envolvendo jogadores de todas as posições e de cada país participante.

Lionel Messi recorreu ao gesto, assim como Cristiano Ronaldo. França. Bélgica, Inglaterra e Croácia chegaram às semifinais, mas seus jogadores também recorreram a esse gesto de decepção. Ele nada tem a ver com o futebol, e se relaciona diretamente com a psique humana, de acordo com zoólogos, psicólogos e outras pessoas que estudam esse tipo de coisa.

O gesto significa que “a pessoa sabe que falhou”, disse Jessica Tracy, professora de psicologia na Universidade da Colúmbia Britânica (Canadá). “O gesto dirá aos outros que a pessoa sabe que errou, e lamenta, e portanto não é preciso expulsá-la do grupo, ou matá-la”.

O gesto não se limita a quem erra o chute. Em um dos fiascos futebolísticos mais reprisados de todos os tempos, Yakubu Aiyegbeni, da Nigéria, errou um chute com o gol vazio e a apenas três metros de distância, na Copa do Mundo de 2010. Ele mal se mexeu depois do erro, mas quase todos os seus colegas de seleção e da comissão técnica do time repetiram o gesto, em uma sincronia imediata e não ensaiada.

Em seu influente estudo sobre o futebol, “The Soccer Tribe”, publicado em 1981, o zoólogo Desmond Morris incluiu o gesto em seu catálogo de 12 reações comuns de jogadores a derrotas. Ele apontou para a função de consolo do gesto, “um recurso muito utilizado quando a pessoa sente a necessidade de um abraço reconfortante mas não há ninguém por perto para oferecê-lo”. Primatas não humanos também o usam.

Em 2008, Tracy e seu colega David Matsumoto publicaram um estudo influente, no qual estudavam os gestos de vitória e de derrota feitos por atletas olímpicos capazes de ver e por atletas olímpicos portadores de cegueira congênita. Encontraram indicações que sugerem que as formas de demonstrar vergonha e orgulho são inatas e universais.

“Levar as mãos à cabeça – isso indica vergonha”, disse Tracy. “O corpo fica constrito, e quando o jogador envolve a cabeça com os braços é quase como se estivesse tentando parecer menor. São elementos muito clássicos de demonstração de vergonha”.

Ninguém sabe melhor que os jogadores, quando eles erram. Cobi Jones, que teve uma longa carreira na seleção masculina de futebol dos Estados Unidos e agora é comentarista esportivo na televisão, disse em entrevista por telefone que um erro grotesco causa, além do gesto, uma sensação de incredulidade e embaraço.

“É para isso que treinamos, dia após dia – colocar a bola na rede”, ele disse. “E aquele gol teria sido simples. Você não deveria tê-lo perdido”.

O gesto também surge quando um goleiro faz uma defesa espetacular, que impede o que teria sido um gol certo. Um dos exemplos mais famosos aconteceu na Copa do Mundo de 2006. No final da prorrogação de um jogo empatado, o astro francês Zinedine Zidane cabeceou uma bola que ele tinha certeza representaria o título do torneio, mas viu o goleiro italiano Gianluigi Buffon desviá-la por sobre o travessão com a ponta dos dedos. As mãos de Zidane imediatamente subiram em direção de sua cabeça calva.

Não importa que o chute não tenha entrado por uma gafe de quem chutou ou por uma defesa espetacular do goleiro, a resposta dos jogadores que perderam a oportunidade continua quase idêntica.

“É exatamente a mesma realidade estatística”, disse David Goldblatt, historiador do futebol britânico. “Você teve sua chance, a perdeu, o goleiro defendeu, não importa. O mecanismo pelo qual o jogador chega àquele ponto não é relevante”.

Jones descreve a experiência do atacante, nos dois casos, como “choque”.

“Quando a pessoa se assusta inesperadamente, suas mãos sobem à cabeça como que em um movimento de proteção”, disse Dacher Keltner, professor de psicologia na Universidade da Califórnia em Berkeley. “O tipo mais antigo de intenção comportamental, nessa classe de comportamentos, é o de proteger a cabeça contra golpes”.

Em 1996, Keltner publicou um estudo sobre as reações emocionais das pessoas a ruídos súbitos. Os participantes do estudo apresentaram reações próximas à dos jogadores de futebol ao perderem um gol.

“Quando a pessoa ouve um barulho alto, a correlação prática é de que algo pode atingi-la na cabeça, e assim ela se posiciona para defender a cabeça, que é vulnerável e crucial”, disse Keltner. “Em qualquer tipo de ação como a perda de um gol certo, a fonte da dor psíquica produzirá esses movimentos de proteção à cabeça”.

O gesto básico pode vir acompanhado de adições sutis. Os jogadores podem esconder o rosto com as mãos ou a camisa, outra demonstração típica de vergonha. Ou podem erguer o rosto para o céu, no que Goldblatt caracteriza como “um pedido de que o gol perdido seja interpretado como obra do destino, e não como erro do jogador”.

“Quando as pessoas ficam atônitas, elas olham para cima”, disse Keltner, que já teve diversas conversas com a comissão técnica do Golden State Warriors, falando de suas pesquisas sobre compaixão. Algo que ele observou nessa experiência foi que “os atletas sérios reconhecem as ações do acaso mais do que os torcedores”. Olhar para o alto, ele disse, pode ser “o reconhecimento pelo jogador de algo que vai além da vontade humana”.

Levar as mãos à cabeça é algo que os torcedores também fazem, nos mesmos momentos que os jogadores. Porque são observadores e não participantes, a motivação pode diferir.

Philip Furley, professor de psicologia do esporte na Universidade do Esporte da Alemanha, em Colônia, estudou o comportamento dos jogadores em cobranças de pênaltis, quando o gesto é comum.

Entre os espectadores, disse Furley, “o que se encontra frequentemente é uma espécie de contágio. Se a pessoa torce por um time e um jogador desse time demonstra algum tipo de comportamento, o comportamento não verbal pode contagiar os torcedores”.

Não importa a causa, a previsibilidade quase absoluta do gesto se tornou seu traço mais característico. “É como os bordões que os humoristas usam”, disse Goldblatt.

“As pessoas começam a rir antes que sejam ditos. Muitos humoristas contam com isso”.

No caso, os jogadores de futebol e os torcedores não precisam trabalhar no gesto. Ele surge naturalmente.

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