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Reviravolta na História

Porto seguro de Cabral é Touros, e não o dos baianos

Publicado

Autor/Imagem:
Eduardo Monteiro

O que parece uma maluquice histórica, ou uma confusão zodiacal, é na verdade mais um conjunto de teses acadêmicas, para dar continuidade à lição primária do Descobrimento do Brasil. A valer uma tese levantada no Rio Grande do Norte, Pedro Álvares Cabral chegou de além-mar pela orla potiguar. Ali seria seu ‘porto seguro’, e não na Bahia, como está nos livros oficiais.

A nova polêmica é que o Monte Pascoal, avistado pela esquadra do português em abril de 1500, seria na verdade o pico do Cabuji, o único vulcão extinto no Brasil que conserva sua forma original, localizado no município de Angicos, que em tupi-guarani, significa “peito de moça”. E o porto seguro a que se refere a Carta de Caminha, seria a Praia dos Marcos, no município de Touros, e não, Porto Seguro no extremo sul da Bahia.

Então, o Brasil é potiguar e não baiano? É um questionamento a ser discutido. Com um detalhe. A ser verdade o que se procura provar, o Brasil seria um dia mais novo, uma vez que a descoberta teria se dado no dia 23, e não no dia 22.

Essa tese começa, segundo a jornalista Regina Helena Paiva Ramos, em 1890, com o pernambucano José de Vasconcelos, conselheiro do Instituto Histórico e Geográfico, que registrou a existência de um marco de posse em Touros. Já em 1928, o historiador e antropólogo Luís da Câmara Cascudo foi até a praia dos Marcos, e fala sobre o assunto em “Dois Ensaios de História”.

Mas em 1998, o pernambucano Lenine Barros Pinto, historiador e acadêmico, autor de diversos livros, ensaios e artigos, membro efetivo do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte e da Academia Norte-Rio-Grandense de Letras, publica “Reinvenção do Descobrimento”, livro inicial da trilogia, composta também por “Ainda Sobre o Descobrimento” (2000) e “ O Mando do Mar” (2015), e coloca de vez luz e polêmica no assunto.

Situado no Rio Grande do Norte, em uma área nordestina na qual o litoral brasileiro faz uma curva, o município de Touros, tem o apelido de “esquina do Brasil”. Fazem parte do “clube da esquina”, ou melhor, do seleto grupo de defensores da tese do local do descobrimento, em Touros, notórios pesquisadores.

O professor Lenin Campos Soares, doutor pela Universidade Federal de Minas Gerais, que estudou o assunto com profundidade, explica que a “Reinvenção do Descobrimento”, baseia-se em cinco argumentos principais: As correntes marítimas do Oceano Atlântico; Os Marcos de Touros e de Cananeia; As Léguas Percorridas por Cabral; A Aguada (ou porto seguro); e o Cabo de São Jorge.

Como se sabe, correntes marítimas são rios de água salgada que têm temperaturas distintas e se deslocam em velocidades diferentes pelos oceanos do planeta, por conta de três fatores: o movimento de rotação da Terra, por influência dos ventos e da diferença de densidade entre a água dos oceanos, em função do grau de salinidade nas diferentes regiões.

No Atlântico Sul, existem basicamente seis grandes correntes, sendo três frias e três quentes. Segundo Lenine Pinto, os portugueses teriam usado a prática do “Arrodeio”, que consiste em alternar a rota afastando-se e aproximando-se da costa africana, para fugir das famosas “calmarias” que atrasavam as viagens das naus. Com isso, apesar de a distância ser maior, a viagem durava menos usando estas rotas. E os navegadores da época já detinham esse conhecimento.

O engenheiro civil e investigador Manuel Oliveira Cavalcanti, autor do livro “1500: de Portugal ao saliente Potiguar”, lançado em 2018 e resultado de uma ampla pesquisa de dois anos, motivada pela tese de Lenine Pinto, declara:“ Estive em Portugal e analisei documentos históricos do governo português. Muitos, inclusive, negligenciados pelos historiadores brasileiros”, detalha.

Boa parte das análises foram feitas no Museu da Torre do Tombo, em Lisboa, o maior acervo relacionado às navegações. Um destes documento é o mapa de Alberto Cantino, de 1502, que traz os contornos do litoral brasileiro. Nele, o Cabo de São Roque, distante 56 quilômetros de Touros, aparece com o nome de São Jorge, portanto, ele deveria ter sido descoberto em 23 de abril, para ser nomeado assim pelos portugueses, já que era costume os locais descobertos levarem o nome dos santos do dia.

Para Cavalcanti e outros pesquisadores a expedição conjunta realizada em 2000, entre Brasil e Portugal para celebrar os 500 anos do descobrimento, na qual os navegantes utilizaram rota, condições e equipamentos similares aos utilizados por Pedro Álvares Cabral, é mais uma prova inconteste: “Para chegar em 22 de abril à Bahia, a expedição precisou de um motor auxiliar mais potente, pois, nas mesmas condições de 1500, só conseguiriam chegar a solo brasileiro, naquela data, na cidade de Touros”.

Voltando a Lenine
O autor explica que a colocação de marcos de pedra, conhecidos como padrões, era um costume português utilizado desde os primeiros tempos das descobertas. Segundo Lenine, a Carta de Caminha, descreve a colocação de dois marcos de posse em território brasileiro. Do primeiro porto, até o segundo em Cananeia, estado de São Paulo, teriam navegado por 500 léguas (ou 2 mil milhas náuticas).

Caso o primeiro tivesse sido implantado em Porto Seguro, na Bahia, segundo ainda cálculo do autor, daria 2.777 km, o que implicaria que ao invés de Cananeia, o marco teria sido colocado em plena Patagônia, na Argentina.

Outra defensora da tese de Lenine, a professora-doutora Rosana Mazaro, do Departamento de Turismo da UFRN, que também é velejadora, em entrevista ao Blog BG, de Natal, corroborando com o conteúdo anterior, acrescenta:

“Há uma dificuldade imensa para se chegar da Europa à Bahia e, em contraponto, facilidade para o RN. Há navegadores, sem exagero, que vão até Dakar (na África) para se aproximar do Brasil tamanho a força das correntes. Outra evidência seria o Marco de Touros, diferente do fincado na Bahia. O daqui é esculpido com símbolos e brasões semelhantes ao marco chantado no município de Cananéia, em São Paulo, que seria o segundo marco português no Brasil.”

Sobre o marco de Porto Seguro, o autor explica: “É um marco comemorativo e não de posse. Foi colocado lá provavelmente ao iniciar-se a colonização”.
Por último, a “aguada” no litoral, conforme consta na carta do descobrimento, refere-se a água doce e local para abastecimento de água potável, presente nas proximidades do Marco de Touros e inexistente em Porto Seguro.

O documento traz ainda informações sobre serras e vegetação na área denominada de Cabo de São Jorge. No entanto, a descrição não bate com o que ocorre na praia baiana, mas é idêntica ao que se encontra no atual Cabo de São Roque, no litoral potiguar.

E o dia 23 de Abril?
Explica o autor: “O dia náutico era marcado a partir do meio dia, isto é, enquanto hoje nós consideramos que o dia muda de 22 de abril para 23 de abril a meia-noite, os navegantes portugueses utilizando o dia náutico faziam esta mudança ao meio dia. E como a carta de Caminha diz que eles aportaram ao fim da tarde, para ser mais preciso, “a horas de véspera”, já era dia 23, dia de São Jorge.

A Expedição até o Brasil
Da esquadra que chegou ao Brasil, tida como a maior expedição de Portugal à época, com treze navios, 1.500 homens, comandados por experientes navegadores, tais como Vicente Yáñez Pinzón, Diego de Lepe, João Coelho da Porta da Cruz e Duarte Pacheco Pereira. Este teria comandado uma expedição secreta em 1498, para confirmar a existência das terras brasileiras. E Pedro Álvares Cabral, Capitão – Mor, fidalgo e o menos experiente dos comandantes, por que comandou a expedição? Ah! Isso é assunto para depois.

Ainda sobre Lenine
Lenine Pinto faleceu em Natal em 23 de junho de 2019. Fosse ele jogador de futebol afamado ou astro da música brega, teria recebido grandes homenagens, em sua despedida desta aldeia de Poti. Mas era um escritor. A posteridade, a ele fará justiça, declarou Manoel Onofre Jr, escritor e colega de Lenine na Academia Norte-Rio-Grandense de Letras (ANRL)

Aqui tudo acaba em Rock
A banda de rock Legião Urbana batizou o seu sexto álbum com o nome de “O Descobrimento do Brasil” ainda que nenhuma canção faça menção ao fato histórico.

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