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Vantagem de seis milhões

Povo, eleitor-dragão, acorda e joga fogo contra circo do horror

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Autor/Imagem:
Mathuzalém Júnior* - Foto de Arquivo

Difícil saber – pelo menos antecipar – o que sairá da cabeça de um chamado bolsonarista raiz. Personagem novo no cenário nacional, eles, no entanto, representam o que há de mais arcaico, perverso e pervertido na política do país. Embora tenham feição de gente, são irracionais. Nos raros momentos de lampejos, pensam exclusivamente no que fazer contra o vizinho, o amigo ou o familiar que teima em divergir de suas opiniões. Conseguem agir como seres humanos somente quando são levados à forca (sem corda) pelo líder maior. Aí talvez parem, pensem e até recorram ao Deus acima de tudo e de todos. O problema é que essa divindade é o próprio mito de barro, cuja sofrência nesse período que antecede o segundo turno da eleição presidencial tem sido estrogonoficamente diária e, diriam os menos otimistas, irreversível.

Afinal, tirar uma diferença de, no mínimo, seis milhões de votos não é tarefa para qualquer um, principalmente quando o sujeito não é oculto, sonha com super poderes e é apegado a maldades cruéis contra quem cruza seu caminho. Numa adjetivação menos radical, um é um maldoso, contumaz e destemido lançador de rancores e preconceitos contra supostos eleitores. Inteligentes, luminares e intrépidos em sua maioria, os nordestinos que o digam. Aliás, os irmãos do Nordeste desde já agradecem àqueles do Sul e do Sudeste que, por questões de imbecilidade, prometeram não pisar mais em “terras que vivem de migalhas” e que elegeram Luiz Inácio “por causa dos analfabetos”.

Nesse pantanal de mediocridade, imagino a dor de José de Alencar, Rachel de Queiroz, Rui Barbosa, Patativa do Assaré, Gilberto Freire, Chico Anísio, Luiz Gonzaga, Jorge Amado, José Lins do Rego, Epitácio Pessoa, Manuel Bandeira, Castelo Branco, Floriano Peixoto e Hermes da Fonseca. Com a devida licença dos poetas, artistas e marechais, incluiria nesta lista de nordestinos imortais os nomes de Deltrudes, Ildefonso, João e Oséas Francisco de Araújo. Todos certamente estão se remexendo nos túmulos. Mais uma vez peço licença para o uso de um pleonasmo, mas, se vivos fossem, eles estariam subindo para cima com a irracionalidade do avanço do povo que se vangloria de um puritanismo que jamais experimentaram.

Mais para bárbaros e profanos do que para cristãos, a turma do circo dos horrores deve estar realizada com tanta balbúrdia. Nada de anormal, pois é o que sabem fazer. São as línguas de trapo do Brasil dos tempos de fúria, fome, má gestão, patriotismo de feira livre e, pasmem, invasões de templos religiosos com fins especificamente eleitoreiros. Devemos reconhecer que isso – a carnavalesca patriotada – eles fazem muito bem. Por culpa da relevância do astral maldoso e sombrio dos pregadores do ódio, a partir de 2023, sem margem de erro, teremos o que os analistas antecipam como o pior Congresso Nacional de todos os tempos. Basta uma passada d’olhos na relação dos eleitos para percebermos a desgraça que os fundamentalistas puro sangue e os fieis do Centrão nos reservaram.

Longe de pensar somente com o neurônio do pessimismo, mas Damares Alves, Ricardo Salles, Eduardo Bolsonaro, Nikolas Ferreira, Carla Zambelli, Hélio Lopes, Bia Kicis, Jorge Seif, Magno Malta, Arthur Lira, generais Pazuello e Hamilton Mourão e o astronauta Marcos Pontes, entre outros extremistas, são a prova de que estamos na contramão do mundo moderno. São o exemplo mais óbvio do despreparo e do descaso de parte do eleitor com o Brasil, com seu povo, especialmente com suas instituições. De posse dessa medonha lista, no dia 30 temos dois caminhos a seguir. No primeiro, Bolsonaro é reeleito, sua turma domina o cercado e acaba de vez com a nação.

No segundo, a reconquista de Lula da Silva certamente será ofuscada por uma série de maracutaias articuladas pelas hordas do ódio e das fake news. Resta-nos, além do voto sério e consciente, apelar para os inseticidas que anunciam como ótimos para matar vermes e baratas nos cantinhos. A vitória é sempre possível para aquele que se recusa a parar de lutar. O trem fantasma do qual essas figuras desembarcam em fevereiro continua apagado. Talvez estejam esperando uma improvável reviravolta da soberba, da rigidez e da estupidez. Por enquanto, o circo iluminado mostra seu principal inquilino tentando de tudo para conquistar um clima entre ele e o eleitor. Nada como 57 milhões de apoios e uma diferença de seis milhões de votos para fazer Jair Bolsonaro fingir que é o melhor presidente do mundo. O problema é o dragão. Também chamado de povo, a fera acordou e resolveu se rebelar.

*Mathuzalém Júnior é jornalista profissional desde 1978

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