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Novembro Azul

Medo do dedo me encorajou a enfrentar o sussurro auricular sem arrepios

Publicado

Autor/Imagem:
Wenceslau Araújo - Foto de Arquivo

Nascido em um lindo dia de novembro, acordei do sonho uterino ao ouvir o médico gritar em latim que minha mãe acabara de parir um pueri magnus caput aureum, isto é, um grande menino com a cabeça dourada. Deixando de lado os adjetivos de infância, cresci preocupado com a possibilidade de ter sido infectado pela duplicidade de personalidade, a síndrome da moda. Nem tanto, mas a preocupação me encorajou a aproveitar todo tipo de folga para me avistar com um daqueles profissionais que sempre preferi tê-lo à distância. Refiro-me àquele que, no pé do ouvido, nos diz baixinho: Deixa o dedo entrar. Resumindo, o medo do dedo me deu força para enfrentar o sussurro auricular sem arrepios.

Ainda que tenha vivido a época da análise, nunca me sentei em colos bilaterais, touceiras canaviais, tampouco em divãs naturistas, sensitivos e paranormais. Mesmo com alguma reserva, procurei o terapeuta. No sommier da verdade, antes que o doutor perguntasse a razão de minha presença, disse que estava ali porque há tempos desconfiava de estar sendo incomodado por uma segunda personalidade. Como? Às vezes, de dia sou santo e torço pela ressurreição de Jair Messias em outra galáxia, às vezes sou o Satanás de rabo e peço a Deus para mandar o mito para os quintos de São Januário, onde, ao lado do correligionário Eurico Miranda, teria de pagar por todo o sofrimento dos irmãos vascaínos.

E olha que não é um sofrimentozinho qualquer. Alguns segundos de reflexão e o indigitado médico sapecou: “Muito bem. Estamos em pleno Novembro Azul. Aproxime-se, sente-se mais perto de mim e vamos conversar os quatro”. Confesso que, após o susto da demasiada aproximação, me reconfortei diante da resposta. Não estou só, pensei em voz alta. Decidido a somente entrar na efetiva dúvida depois de me assegurar da confiança que o moço do jaleco cor de rosa tentava passar, insisti na bobajada da inteligência do Bolsonaro. Bobagem porque jamais duvidei de sua estultice em último grau.

Mesmo assim, procurei saber se o médico dispunha de pelo menos uma razão que justificasse o poder de um tenente expulso do Exército para impor a generais cultos (alguns nem tanto) um golpe de Estado sabidamente sem respaldo das principais potências do planeta, principalmente os Estados Unidos, país com o qual o insubordinado militar não tinha sequer visto para comer pizzas sentado à mesa. Podia comer o que quisesse, desde que nas calçadas. Mais uma vez a resposta foi convergente com meus pensamentos de masturbador ideologicamente amador: “Embora antigo no métier, é petiz e basbaque em política nacional. A mente é como um paraquedas, só funciona se estiver aberta. A dele nunca esteve”.

Tomei um susto porque, num primeiro momento, cheguei a achar que a resposta fosse para mim. Pedindo licença à Madre Baby do Brasil, fui direto ao assunto: Doutor, Zé Simão disse que masturbação evita câncer de próstata. Posso recuperar meu estoque de “Playboys” e meter a mão na massa, isto é, na cobra? Com uma tranquilidade de fazer inveja a Chico Xavier, o terapeuta respondeu afirmativamente, mas com algumas ressalvas. – Meu caro manuseador de sabugo, sou leigo no assunto episcopal, mas se o senhor busca a imortalidade, devo informá-lo que, melhor do que lavar o biscoito em velocidade extremada, é a dedada do colega entendido em girassol pelo menos três vezes por ano. Posso afirmar que, mais do que isso, pode ser considerado pela vizinhança como sodomia ou, se preferir, patifaria.

Obviamente que a longa decifração de minha simplória indagação não me satisfez. Preocupado com novos sermões, paguei a consulta e deixei o recinto com as mesmas dúvidas da entrada. Pelo sim, pelo não, não me tranco mais em vão no banheiro. Primo alfa de Nero, o deus da exabundância e da fogosidade, Zé Simão é um escriba sério, respeitoso e, portanto, merecedor de todas as loas. Por isso, sou mais ele do que o analista. Tudo bem que não haja afinidade entre a masturbação e a próstata. Todavia, não duvido que a pizza seja mesmo um santo remédio para o câncer de estômago e que a cerveja faz bem aos ossos.

Se verdadeiras as teses de São Simão, vou reconsiderar as Playboys, comprar um sofá novo, encomendar uma pizza gigante, encher o freezer de suco de cevada e cancelar a matrícula da academia. Já imaginaram o que vou fazer? Pois imaginem que, em duas semanas, estarei bem próximo da imortalidade. Só lamento a primeira sentada no divã. Quanto ao moço do fracassado golpe, é de bom alvitre lembrá-lo que a masmorra do recolhimento já recebeu os retoques finais para recebê-lo. Como ainda há tempo para evitar os contratempos, recomendo aos que querem tanto levá-lo ao médico o meu urologista. Profissional amigo, ele é o mais indicado para este Novembro Azul. Além de carinhoso, meticuloso e sedutor, o cabra sofre do Mal de Parkinson em estágio avançado. O melhor de tudo é que ele aceita todos os convênios, inclusive os do STF.

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Wenceslau Araújo é Editor-Chefe de Notibras

 

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