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Crise na Grécia

Resgate está terminando. O sofrimento, longe de acabar

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Autor/Imagem:
Liz Alderman

Quando Dimitris Zafiriou conseguiu um ambicioso emprego em tempo integral há dois meses, o salário era apenas metade do que ganhava antes da crise da dívida da Grécia. Mesmo assim, depois de anos de dificuldades, foi um passo à frente.

“Agora, nossa família não tem qualquer dinheiro sobrando no fim do mês”, disse Zafiriou, 47, especialista em infraestrutura de construção de metal, com uma risada sombria. “Mas nada ainda é melhor do que antes, quando não tínhamos condições pagar as contas.”

A Grécia alcança um marco em uma das mais desastrosas crises financeiras que atingiram a Europa. No domingo, 19, o país encerrou oficialmente sua dependência de mais de 320 bilhões de euros, ou cerca de US$ 360 bilhões, em um plano de resgate, abrindo caminho para uma nova era de independência financeira. A economia volta lentamente ao crescimento, e os líderes europeus declaram o fim de uma crise da dívida que quase acabou com o euro.

Mas o preço da aparente reviravolta da Grécia foi elevado. Uma desaceleração violenta, combinada com quase uma década de drásticos cortes de gastos e aumentos de impostos para reparar as finanças do país, deixou mais de um terço da população de 10 milhões perto da pobreza, segundo a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).

A renda das famílias caiu mais de 30%, e mais de um quinto das pessoas não consegue pagar despesas básicas, como aluguel, eletricidade e empréstimos bancários. Um terço das famílias tem pelo menos um desempregado. E entre aqueles que têm um emprego, a pobreza no trabalho subiu para um dos níveis mais altos da Europa.

“Qualquer sociedade que perdeu um quarto de sua economia terá graves problemas sociais”, disse Euclid Tsakalotos, ministro das Finanças da Grécia, em uma entrevista. “Mas as coisas estão melhorando e as pessoas podem ver que estão melhorando.”

Zafiriou acaba de sair de um ciclo de busca constante de emprego e renda esporádica. Como muitos gregos, sua vida mudou completamente durante a década perdida, marcada por desemprego desenfreado, cortes salariais acentuados e dívidas pessoais crescendo em espiral.

Uma economia novamente estável estimulou o retorno à contratação na empresa de construção grega, onde Zafiriou recentemente conseguiu o emprego. Mas seu salário mensal de 800 euros está muito abaixo dos 1.500 euros que ele ganhava, na construtora onde trabalhou durante 20 anos. Quando a crise chegou, aquela empresa atrasou o pagamento dos funcionários, primeiro por dois meses, depois quatro – uma prática que se tornou comum em muitas empresas.

Sua esposa, Sotiria, ficou sem receber durante quase um ano em 2013, depois que a rede de supermercados grega onde trabalhava declarou falência. Outra empresa a comprou, e seu salário mensal de 1.100 euros foi reduzido para 800 euros. Ela acabou recebendo metade do que a empresa lhe devia. Mas Zafiriou disse que nunca recebeu os cerca de 13.000 euros em pagamentos atrasados de sua antiga empresa.

As contas da família rapidamente se tornaram insuperáveis. Eles não podiam mais pagar pela eletricidade ou por um empréstimo em seu modesto apartamento de dois quartos em Keratsini, subúrbio operário de Piraeus, perto de Atenas. A única coisa que os protegia do despejo – junto com milhares de gregos em situação semelhante – era uma lei proibindo os bancos de retomarem a posse da maioria dos imóveis residenciais de mutuários.

A família cortou gastos em roupas e alimentos e interrompeu a terapia para sua filha, Anamaria, de 13 anos, que tem dislexia. Com pouco dinheiro, Zafiriou vendeu todas as suas joias de ouro, exceto a cruz usada no batizado de Anamaria.

Com o novo emprego, as coisas estão melhorando. O casal recontratou um professor para Anamaria, e Sotiria Zafiriou não precisa mais buscar pelo produto ou carne mais barata. O objetivo principal é pagar todas as dívidas da família o mais rápido possível, mesmo que isso não deixe sobrar nada no final do mês.

“A Grécia está melhorando”, disse Zafiriou. “Mas isso não significa que as coisas mudaram.”

Mesmo após o plano de resgate financeiro, a Grécia deve continuar apertando o cinto por anos, enquanto os credores monitoram sua disciplina fiscal e progridem nas reformas estruturais. O primeiro-ministro Alexis Tsipras prometeu aliviar os mais afetados com melhor apoio social e salários, e falou de uma possível redução nos acentuados impostos empresariais para estimular a contratações. O desemprego caiu de 28% para 19,5%, mas continua sendo o mais alto da zona do euro.

Tsipras quer ganhar força depois que a economia cresceu 1,4% no ano passado, recuperando-se lentamente de uma contração que faz lembrar a Grande Depressão nos Estados Unidos. A Grécia está administrando um superávit orçamentário, menos os pagamentos de juros sobre sua dívida ainda enorme. Tsipras pretende começar a vender títulos gregos novamente nos mercados financeiros dentro de dois anos.

Essa perspectiva traz a sensação de que a crise pode estar enfraquecendo.

Há poucos dias, Georgia Pavlioti de 50 anos, mãe solteira, sentou-se com uma assistente social na Praksis, uma organização humanitária que dá apoio aos gregos que enfrentam privações.

Pavlioti, ex-supervisora de uma empresa de pesquisas eleitorais grega, jamais sonhou que precisaria de assistência social. Sua filha nasceu no início da crise, mas quando a licença maternidade terminou, a empresa havia cortado funcionários e não conseguiu encontrar outro trabalho. Seu marido perdeu o emprego como guarda de segurança. A perda financeira pressionou o casamento deles, e ela pediu o divórcio – algo ao qual um número cada vez maior de gregos recorre desde o início da crise.

Finalmente ela encontrou trabalho informal limpando casas e cuidando de idosos, inclusive trocando suas fraldas para adultos. “Eu não podia acreditar que tinha caído tanto”, disse Pavlioti, lutando contra as lágrimas. “Isso abalou minha autoimagem e confiança.”

A Praksis oferece aconselhamento profissional, bem como apoio psicológico e financeiro. Ainda não é suficiente. Como mãe solteira, Pavlioti precisa de assistência infantil financiada pelo estado, mas não tem direito a ela porque seu divórcio está pendente.

Quanto mais tempo ficar fora do mercado de trabalho formal, mais difícil será retornar. Recentemente, ela conseguiu um emprego como babá com horários flexíveis, ganhando 450 euros por mês – o suficiente para pagar o aluguel e as contas, embora não muito mais.

“O fim do resgate não faz diferença em nossas vidas”, disse Pavlioti. “Estamos apenas sobrevivendo, não vivendo.”

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