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Em nós é só créu

Salvador da pátria lamenta todo dia ter virado presidente

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Mathuzalém Junior* - Foto Marcelo Camargo

Mestre de sei lá o que, o presidente da República Federativa do Brasil completa em janeiro próximo três de um governo que ainda carece de formatação, de lógica, personalidade ou, na melhor das hipóteses, de um líder vocacionado e que não desdenhe da função sempre que é chamado a dar soluções para os problemas nacionais. Com todo respeito à figura humana eleita para o principal cargo político do país, qualquer brasileiro com um mínimo de inteligência se sente impedido de avaliá-lo como mandatário capaz de gerir as riquezas e as mazelas de uma nação de 8,5 milhões de quilômetros quadrados, 213,3 milhões de habitantes absolutamente desiguais e de milhares de políticos vorazes, mas incapazes de representar aqueles que lhes concedem o mandato.

É algo cada vez mais próximo dos piores folhetins já exibidos pela televisão tupiniquim sobre mal feitos, falcatruas ou sacanagens. Enfim, o Brasil de hoje parece tudo isso junto. Preocupados apenas com os próprios bolsos, nossos representantes no Congresso Nacional, nas assembleias legislativas e nas câmaras municipais são um caso à parte. A maioria é digna de piadas de altíssimo teor calórico em botecos, casas de lenocínio e velórios de periferias. Alguns rendem costumeiramente manchetes em jornais e telejornais policiais. Resumindo, poucos são dignos dos votos que recebem. Pior é quando, por razões nada republicanas, decidem formar fileiras junto a presidentes que nada sabem ou que nada fazem.

Viram comandantes de barcos próximos do naufrágio, mas abarrotados de tesouros que eles criam emendando emendas, petrolando mensalões ou gerando orçamentos secretos que acabam sacramentados como corretos graças à parcimônia de suas excelências de toga. Tudo dentro dos conformes e das leis remendadas de acordo com a maré que eles baixam ou sobem quando querem. Em nós é só créu, sem apelo, vaselina ou oração. Não temos salvação. Expressivo número de eleitores achou que havia encontrado o salvador da pátria em 2018. Achou, mas o perdeu de vista logo após a posse, no primeiro dia de janeiro de 2019. O discurso sedutor, bonitinho, de patriotismo, honestidade, probidade e de recuperação nacional saiu das redes sociais uma única vez para estimular o fracassado golpe de 7 de setembro.

De lá para cá, tudo igual ao início: nada de produtivo, nada de interessante, nada de real. O país que já foi um parquinho de diversões tocando freneticamente singles adesistas transformou-se em um enredo de terror. Hoje, o Brasil lembra aquele filme em que, durante a noite de Halloween, um grupo de amigos é perseguido por um assassino mascarado em um parque temático. Na história, todas as atrociades são praticadas na frente do público. A plateia acredita ser tudo parte de um show e, por isso, ignora os pedidos de socorro. Mera coincidência ou pura conivência? Seja lá o que for, como explicar a milhares de milhões de eleitores a costumeira crise existencial do principal inquilino do Palácio do Planalto? Como reconhecer boas intenções em alguém que frequentemente lamenta ter sido eleito presidente da República?

Mais uma vez temos de recorrer a um enredo hollywoodiano para tentar justificar o atual estágio anedotário da nação. Elegemos um presidente reconhecidamente contrário às ordens estabelecidas. Sobre as instituições, melhor esquecermos as adjetivações via lives para o público do cercadinho. Se a cadeira presidencial tem “kriptonita” (substância capaz de minar poderes de super-heróis) podemos concluir que a (des) governança tem a ver com o atrapalhado inspetor francês Jacques Clouseau, brilhantemente interpretado pelo ator Steve Martin no filme Pantera cor de Rosa, versão 2006. Na comédia, Clouseau foi convocado a Paris pelo inspetor chefe Charles Dreyffus para investigar a morte de um técnico de futebol local.

O plano era usar Clouseau como chamariz para a mídia, enquanto inspetores mais gabaritados tentavam resolver o caso. Como toda boa história tem final feliz, após longa enrolação Clouseau descobre o assassino. Por aqui, se a ideia era realmente o despiste, o fracasso retumbante ficou conhecido como o Dia do Recuo no Dia da Independência. Por isso, talvez precisemos de mais dez ou 12 versões até que pelo menos consigamos eleger um pantera negra que realmente se preocupe com a extinção dos felinos de menor porte instalados no Cerrado.

*Mathuzalém Júnior é jornalista profissional desde 1978

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