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Tiro em marimbondos

Selvageria terrorista decreta o fim político de Jair Bolsonaro

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Autor/Imagem:
Mathuzalém Júnior* - Foto Reprodução

Jornalista como eu, mas com inteligência e sarcasmo infinitamente superiores, Aparício Torelly, o Barão de Itararé (1895/1971), era chegado a tiradas intempestivas, dialeticamente perfeitas, espiritualmente engraçadas, mas nada malucas, apesar da época. Considerado herói de dois séculos, por volta dos anos 50 ele escreveu que o homem que destrói uma casa de marimbondos, construída com imensos sacrifícios num canto da varanda ou debaixo de uma viga, à beira do telhado, é uma selvageria. Segundo ele, destruir uma casa de marimbondos é um ato tão bárbaro e reprovável como o de destruir os melhores instrumentos de precisão de um moderno e bem equipado instituto meteorológico. Sorte do Barão não ter vivido para assistir a barbárie cometida por um bando de terroristas fantasiados de “patriotas” e em defesa do chefe talibã.

Aparício Torelly também não conviveu com Jair Messias, o aventureiro presidente que deixou o país à beira do colapso. Associado a uma série de bandidos covardes de colarinho branco, o tenente Bolsonaro e seus seguidores da seita terrorista vandalizaram várias casas de marimbondos. Talvez não imaginassem que marimbondos de outras casas se uniriam para combater o mito incendiário. O colapso quase foi atingido na tarde do último domingo (8). Só não efetivaram o caos graças à pronta reação dos presidentes da República, do Congresso e do Supremo Tribunal Federal, os marimbondos com ferrões mais venenosos. Até mesmo o até recentemente “bolsonarista” Arthur Lira (PP-AL) se insurgiu contra a barbárie sobre os principais símbolos da nação.

Responsável pela segurança do Distrito Federal, o governador afastado Ibaneis Rocha deve ter sonhado calçando o coturno dourado da guerra e nada fez para minorar os estragos produzidos pela curriola do mal. Há a remota hipótese dele ter sido “vítima” das manobras criminosas de Anderson Torres, o corretor policial de Bolsonaro. De qualquer maneira, como disse um dia após a inédita invasão dos prédios da Praça dos Três Poderes, Ibaneis perdeu os anéis, os dedos e corre o risco de ficar sem o cargo em definitivo. Tudo bem que ele tenha posicionamento ideológico. O que não pode ser permitido é, a partir de uma ideologia, confundir o público com o privado. Sei que é uma prática comum entre políticos e gestores. Eles não deveriam protagonizar essa confusão, mas confundem e, pior, usam a mistura em benefício próprio.

Apesar do bolsonarismo público e, às vezes, exagerado, não ouso avaliar o governador do DF como defensor de golpe, de vandalismo golpista, tampouco de apoio a gestos extremados sejam de direita ou de esquerda. No entanto, é impossível defendê-lo das acusações de inação, omissão e tolerância com a circulação da minoria terrorista. Tenho de acreditar na lisura do chefe do GDF. Todavia, Brasília e o Brasil inteiros sabiam que Jair Bolsonaro sempre defendeu o golpe. Por isso, não há desculpas justas para o governador e seu staff terem feito pouco da presença de milhares de extremistas raivosos uma semana após a posse de Luiz Inácio. Se faltou rigor, sobrou a Ibaneis parcimônia com algo premeditado e com os seguidores mais próximos do presidente defenestrado, que tem as dez digitais nos atos de domingo.

Afinal, foram quatro anos de ataques à democracia, de defesa da invasão de prédios públicos, de estímulo ao ódio e de tolerância com a violência. Como toda causa tem um efeito, o fracassado golpe da minoria bolsonarista acabou sendo um tiro no pé do líder maior. A democracia não foi emparedada. Luiz Inácio recebeu apoio de lideranças como os presidentes dos Estados Unidos, França, Rússia, Ucrânia, Alemanha, Portugal e Itália, entre outros. Também foi “abraçado” pelos 27 governadores e pelos marimbondos, os presidentes da Câmara, do Senado e Supremo, um dia após a invasão. Os apoios dirigidos ao presidente Lula talvez não signifiquem o fim do extremismo no Brasil. Entretanto, não há como negar que Bolsonaro teve o fim político decretado nesse domingo. Pode ter sido a pá de cal.

Mesmo de Orlando, onde deve ter tido um tête-à-tête com o colega Mickey Mouse na Disneylândia, ele deve estar vendo que, apesar da tentativa de golpe, o Brasil e suas instituições estão funcionando plenamente. Ou seja, o golpe foi um fracasso “ibanesiano”. Por isso, tudo indica que a ação dos delinquentes bolsonaristas certamente contribuirá para o suicídio da direita brasileira. O fato é que os ataques à democracia catalisaram o ódio de boa parte da sociedade e de autoridades dos três poderes para o ex-presidente, cuja retórica golpista gerou o que se viu no domingo na Praça dos Três Poderes: os chamados patriotas literalmente defecando sobre a República. Tentando rebuscar o sarcasmo de Aparício Torelly, com a graça de Deus, da pátria e da família, esses cagões (no sentido físico) ou fogem do Brasil ou acabarão no lugar de onde jamais deveriam ter saído: o lixo.

*Marthuzalém Júnior é jornalista profissional desde 1978

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