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Paradoxos do Brasil

Sem ética, homem corre risco de ter conduta zero

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Autor/Imagem:
Mathuzalém Júnior* - Foto Reprodução/Prefeitura de Arapiraca

No país das incoerências, das idiossincrasias e da falta de ética, um ultra-conservador líder evangélico se vangloria de supostas curas milagrosas, mas cobra horrores por elas. Um dos responsáveis pela sustentação da balança política da extrema-direita em tempos remotos, o outrora pastor dos pobres enriqueceu às custas do segmento que ele jura defender. Quem quiser colaborar com suas campanhas financeiramente miraculosas, basta acessar o site de sua igreja e doar seus anéis, bicicletas, automóveis, apartamentos, barcos e até o suado salário mínimo da sustentação. Se preferirem, o homi também aceita doações por meio do cartão de crédito e do PIX. Lamentavelmente, nada do que for doado pode ser declarado no Imposto de Renda. Ou seja, é toma lá sem dar cá.

Coisas do Brasil de nossos antepassados? Nada disso. É o mesmo Brasil de nossos dias. É o país das discrepâncias, dos paradoxos e dos absurdos. É nele que impera a irracionalidade, onde o pão do pobre só cai com a manteiga para baixo e no qual a maioria da população só avança na vida por conta de topadas. Apesar da fome, do desemprego, da Covid-19, do golpismo sem nexo e das reclamações generalizadas, parece que nada mais incomoda o brasileiro. O que não pode faltar é futebol, samba, funk, música sertaneja e loterias variadas do tipo engana bobo e que, até hoje, beneficiou uma minoria, entre eles um parlamentar baiano, que ganhou 22 prêmios sequenciais. Eita sorte pai d’égua.

Sorte de uns, azar de todos. Difícil é reconhecer que, mesmo cheio de mazelas, o Brasil resiste àqueles que, voluntária ou involuntariamente, desejam seu fim. Não tenho opinião firmada sobre um jogador de futebol ganhar R$ 1,5 milhão por mês. Como peladeiro dos bons, nunca recebi nada. Também não posso questionar cachês de famosos e de peladonas nos camarotes do Sambódromo, tampouco o valor de um show mequetrefe de “astros” do funk ou da música sertaneja. No entanto, é meu direito – e dever – reclamar de um ex-presidente fujão e colecionador de processos judiciais, cujos defensores são muitíssimo bem remunerados pelo Partido das Lágrimas (PL), isto é, com valores públicos. Em última análise, é a gente que paga.

Pior de tudo é o mesmo ex-presidente, cuja desastrosa administração deixou rastros comprometedores e duradouros, reclamar de um salário de R$ 33 mil e da falta de tempo para ficar com a mulher Michelle. Supostamente, está longe da patroa por opção. Entretanto, as verdadeiras razões são desconhecidas. Quanto aos vencimentos, é mais uma de suas deslavadas mentiras. Além de uma aposentadoria mensal de R$ 11.945,49 brutos como capitão reformado, ele recebe mensalmente uma aposentadoria parlamentar superior a R$ 30 mil e um salário de R$ 39 mil do Partido das Lágrimas, referente ao cargo de presidente de honra da legenda. Como os valores do PL somente serão pagos se ele voltar dos EUA, o mito ganha por mês 30 vezes mais do que o trabalhador comum que ele espezinhou por quatro anos.

Ainda sobre os defensores de sua insolência, os pagamentos são feitos com nossos impostos, arrecadados justamente daqueles que estão em dia com a Receita Federal. Já vivemos tudo isso em outras ocasiões, mas é sempre um escárnio, principalmente porque, para qualquer mortal, um advogado de porta de cadeia custa os olhos da cara. Dependendo do mercenarismo do profissional, corremos o risco de, inclusive, ficar sem os óculos. Se perdemos o prazo, até a prova de vida do INSS custa uma fortuna, às vezes mais caro do que o que recebemos. Considerando que nada nos incomoda mais, talvez tenhamos de recuperar a capacidade de se emocionar, de reclamar e de escancarar nossas frustrações.

Por tudo isso, faço minhas as palavras de um sábio árabe a respeito do ser humano, seja ele pastor evangélico, futebolista, cantor sertanejo ou de funk, peladeiro, famosos e ex-presidente da República. Se ele (o ser humano) tiver ética, ele é igual a 1. Se também for inteligente, acrescente o zero e será 10. Caso seja rico, inclua mais um zero e vira 100. Se, além de tudo isso, for belo, ponha mais um zero e será 1000. Entretanto, caso perca o 1, que corresponde à ética, perderá todo o seu valor e restarão apenas os zeros. São os zeros da conduta. Aí seremos verdadeiros e entenderemos que, a exemplo dos livros de certos escritores, basta imaginarmos meia página para percebermos que estamos despontando definitivamente para o anonimato. Quanto ao mizifio Pai Jair, tudo indica que suncê terá de disputar outra freguesia. Saravá!!

*Mathuzalém Júnior é jornalista profissional desde 1978

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