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Afronta gratuita

Senado quer colocar na mesma tarrafa o tubarão e o bagrinho da droga

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Mathuzalém Júnior - Foto de Arquivo

Disposto a ajudar a bancada que quer fazer filminho para, via redes sociais, distribuir para o eleitorado que ainda acredita em negócios da China, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), deve pautar para a sessão desta terça-feira (16) a discussão e votação, em primeiro turno, da proposta de emenda à Constituição que criminaliza o porte de qualquer quantidade de droga ilícita. Embora a lei não formalize penas específicas para porte de droga para uso pessoal, a PEC, de autoria do próprio Rodrigo, fala em reforçar o que já está previsto na Lei de Drogas, que determina punição similar para quem vende, compra, produz, guarda, transporta, importa, exporta ou entrega para consumo.

Ou seja, vai jogar traficante de drogas pesadas e o consumidor bagrinho de maconha no mesmo balaio medonho dos entorpecentes. Na melhor das análises, o Senado parece emburrecidamente querer insistir com o projeto pessoal de subir no telhado com a política de boa vizinhança com o Supremo Tribunal Federal. Não há outra hipótese, considerando que, caso seja aprovada, a proposta representará um retrocesso frente à política atual do país. O imbróglio entre Congresso e STF ocorre no momento em que mais de 60 nações endossaram uma declaração da ONU preconizando política de drogas centradas na redução de danos, justiça e direitos.

Não sou do ramo, mas não há como negar que, mais uma vez, caminhamos na contramão dos fatos. Na verdade, marcharemos contra nossa própria conduta, pois desde 2006 o usuário de drogas está despenalizado. Como ilustração, semana passada a Alemanha legalizou o plantio caseiro da maconha, estabelecendo regras para uso em espaços comuns, proibindo em lugares próximos de escolas e hospitais. O projeto alemão estabelece punições rígidas para quem fugir às normas. No Brasil, a ideia é prender e pronto. Pior do que retroceder, aprovar a PEC poderá levar à criminalização de um em cada cinco brasileiros.

Obviamente que esse número é absurdo, mas a culpa não é do usuário, mas do mesmo sistema que hoje quer transformar em criminoso quem consome maconha. Certamente seria diferente se, no passado, o Parlamento tivesse se unido ao governo contra os barões das drogas. Depois da casa arrombada, é mais fácil penalizar àqueles com menores chances de reação. Portanto, parece patético querer peitar o STF, cuja intenção ao encaminhar a descriminalização do porte de maconha para uso pessoal foi somente “legislar” sobre o que o Parlamento empurrou para as calendas. Poderiam ter feito isso antes. Como não fizeram, hoje vale o ditado revelador de que, entre o mar e a montanha, quem mais sofre é o marisco.

Já descobriram quem é o marisco? Se a intenção de suas excelências é torcer pelo encarceramento em massa da população negra e periférica, que a PEC de Rodrigo Pacheco seja aprovada. Nesse caso, nas próximas eleições devemos incluir o autor e os que votarem a favor como defensores do racismo estrutural, já que inquestionavelmente impactará de maneira diferente na vida dos brasileiros. Relator da proposta, o senador Efraim Filho (União-PB) diz que a matéria é extremamente importante para a família brasileira. Resta saber a que família ele se refere. Pelo menos o parlamentar entende que o tema das drogas “tem inserção na saúde e na segurança pública”.

O que se espera é que ele e seus seguidores ouçam as vozes dissonantes, entre elas a da professora Andrea Galassi, conselheira da Plataforma Brasileira de Política de Drogas (PBPD). Segundo ela, a PEC vai ressaltar e evidenciar o racismo existente na atuação policial em regiões nas quais vivem pessoas de baixa condição socioeconômica. De forma mais clara, a exemplo do que se debatia em governos passados, o objetivo final será a criação de cidadão brasileiro de segunda classe. O que mais lamento é justamente a afronta gratuita do Senado, que briga para criminalizar o que o Supremo sugere descriminalizar. Depois vão para a TV defender a prevalência do princípio da separação dos poderes. A separação vale até que alguém interfira na inércia na casa de entretenimento adulto.

*Mathuzalém Júnior é jornalista profissional desde 1978

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