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Napoleão tupiniquim

Sete de Setembro sempre foi do povo; não é dos bolsonaristas

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Autor/Imagem:
Mathuzalém Junior* - Foto de Arquivo

A independência brasileira do jugo português ocorreu de fato em 7 de setembro de 1822. Entretanto, a liberdade está diretamente relacionada a eventos iniciados em 1808, anos em que a família real portuguesa mudou-se para o Brasil, fugindo das tropas francesas que invadiram Portugal. Então rei do povo lusitano, D. João VI implementou uma série de mudanças fundamentais para o desenvolvimento comercial, econômico e educacional, entre elas a abertura dos portos às nações amigas, a permissão comercial entre brasileiros e ingleses e a construção de universidades, teatros, bibliotecas e a instalação de variados cursos técnicos. Ou seja, levaram um bom punhado do nosso ouro, mas deixaram muita coisa boa de herança.

Lembremos sempre que, junto com D. João, vieram para o Brasil artistas e intelectuais estrangeiros, o que facilitou a circulação de conhecimento. A história é longa, mas as medidas do rei tinham por intenção modernizar o país, consequentemente transformá-lo de simples colônia em parte do Reino de Portugal. Na sequência de incontáveis revoluções internas e do retorno da família real para Portugal, em 26 de abril de 1821, Pedro de Alcântara tornou-se regente do Brasil. Os saudosos da monarquia, declarada com a emancipação do Brasil, em 7 de setembro de 1822, e após a coroação de D. Pedro I, talvez não me perdoem por limitar tanto nossa rica história. O problema é o espaço. Vale ressaltar que do Dia do Fico, em 9 de janeiro de 1822, à ruptura definitiva com o Grito do Ipiranga foram apenas nove meses, exatamente um gestação normal.

Também não podemos olvidar que devemos parte de nossa liberação portuguesa ao imperador francês Napoleão Bonaparte. Ele assumiu como cônsul da República da França em 1799, após orquestrar contra os contrarrevolucionários e foi o responsável direto pela fuga de D. João VI para o Brasil. um golpe em 1799. Entre outras coisas, o desgaste das relações luso-brasileiras gerou a frase que marcou aquele festivo dia de 1822: “Independência ou Morte”. Quase 200 anos depois, uma mesma situação de desgaste deve marcar o 7 de setembro de 2021. A diferença é que não temos mais D. Pedro I, mas alguém com o mesmo desejo napoleônico, embora sem a mesma genialidade, liberalidade, coragem e força do “general” francês.

Apesar de ditador, Napoleão até hoje é reverenciado pelo legado que ainda sustenta o mundo moderno. Por exemplo, são dele as ideias de meritocracia, liberdade individual e de pensamento, igualdade perante a lei, direitos de propriedade, tolerância religiosa, finanças sólidas, incentivo à ciência e às artes e abolição do feudalismo. Nunca ninguém o rotulou, mas, no seu tempo, foi verdadeiramente um mito. Tudo a ver com o Brasil de Jair Messias, o mito forjado na olaria do golpismo sem fundamento. Não vivi fisicamente o período imperial, tampouco o napoleônico, mas não é difícil entender que as guerras e as desavenças entre os povos, além de objetivos, tinham propostas claras de crescimento.

E agora? Qual o projeto do governo Bolsonaro e seus apoiadores fundamentalistas para bancar um golpe? Será apenas o incontido desejo de se perpetuar no poder? Deve ser, porque no Brasil não existem comunistas – na verdade nunca existiram – e o governo a ser combatido é o mesmo que estimula a tese golpista. O nome a ser perseguido ainda é um mero postulante. Então, há algo de muito errado no reino da Terra Brasilis. E realmente há. As ruas, praças e avenidas são do povo, assim como é a nossa Bandeira e todos os demais simbolismos nacionais. O problema é que, embora sejam absolutamente negacionistas, a massa com fichas no bolsonarismo não aceita o não como resposta.

Os que aprenderam a viver na cartilha libertária não podem se manifestar, pois correm o risco de serem rotulados de comunas ou de apoiadores da corrupção. Ter bandeirolas ou qualquer coisa que o valha nas cores verde e amarela penduradas nos carros ou nas janelas das casas virou monopólio dos defensores do capitão. Um cidadão normal e que tenha como filiação partidária a família e os amigos está proibido de usufruir de seu principal símbolo, sob pena de ser perseguido, apedrejado e morto. É isso que eles chamam de democracia?

Não deve ser, porque optaram exatamente por usar um dia consagrado à liberdade para demarcar terreno em favor do arbítrio. É um sacrilégio, uma profanação contra o quilométrico e pomposo nome de D. Pedro I. O que dizer a Pedro de Alcântara Francisco Antônio João Carlos Xavier de Paula Miguel Rafael Joaquim José Gonzaga Pascoal Cipriano Serafim de Bragança e Bourbon sobre o 7 de Setembro exclusivo dos bolsonaristas? Vamos aguardar pelo grand finallle em 2022. Por enquanto, pelo menos um terço dos brasileiros permanecem fanatizados pelos belos olhos e pela jactância verbal do nosso Napoleão. Entretanto, não conseguem mais discursos para defender o desmazelo e a esculhambação que é o governo do mito. Os dois terços restantes continuam apostando em uma de três alternativas: preso, morto ou vitorioso.

*Mathuzalém Júnior é jornalista profissional desde 1978

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