Curta nossa página


A despedida

Temer vai embora sem palmas, mas vai levar com ele um ‘obrigado!’

Publicado

Autor/Imagem:
Marc Arnoldi

Michel Temer vive suas últimas horas como Presidente da República. Aos 78 anos de vida, mais de 30 como parlamentar, Vice-Presidente por 6 anos antes de assumir a maior cadeira do Brasil por 2 anos e meio, é provável que ele esteja encerrando sua carreira política.

Currículo de sucesso, construído pacientemente, navegando muito nas águas turvas do Congresso Nacional. Jurista de textos, de linhas, de alíneas. Paulista de coração, mas paulistano de razão. Sua trajetória de gabinete e de universidade não o teria conduzido ao Planalto se dependesse do voto popular.

Emedebista exclusivo desde 1981, o então Presidente da Câmara dos Deputados foi escolhido para compor chapa com Dilma. Escolhido… por ele mesmo. Se a aliança com o MDB aparecia como vital e necessária a Lula, o então Presidente da República tinha outro nome em mente: Henrique Meirelles. Mas Temer tinha o partido na mão, e uma capacidade hors-catégorie de negociação com os caciques regionais da legenda, particularmente no Nordeste.

Instalado no Jaburu, Michel Temer estava no lugar certo para seguir a “linha sucessória” de José Sarney e Itamar Franco. Curiosamente, desde a redemocratização, todos os Vice-Presidente da República do MDB acabaram assumindo a Presidência. Enquanto os de outros partidos (Marco Maciel e José Alencar) ficaram na reserva.

O impeachment de Dilma já é história, mas recente demais, quente demais para que seus atores possam conversar com tranquilidade, sobre a cronologia dos fatos. Quando foi que Temer vislumbrou a possibilidade real da petista não obter os votos necessários no Congresso? A resposta exata pode não existir. Se tivesse dependido só da Câmara, Casa onde ele se sente em casa, o então futuro Presidente imaginava os cenários. Mas na outra cúpula, o mestre do jogo era outro. E Renan é uma esfinge.

Michel Temer terá sido Presidente da República por 963 dias. Teve oposição feroz de seus ex-aliados. Arrolado na extensa lista dos “golpistas”, todos os seus atos de Governo foram implacavelmente combatidos pela nova minoria.

Podia se contentar em levar uma presidência de transição, mas decidiu empreender uma série de reformas estruturantes. Enquanto parte de seu partido pretendia partilhar o tesouro inesperado, outra parte preparava a sucessão a partir da Presidência da Câmara. Os partidos de centro procuravam também seus quinhões, o PT voltava a oposição depois de 14 anos, o resto da esquerda procurava seu lugar. E eventualmente seu líder.

Temer não teve sequer um dia tranquilo. Além do ambiente político conflituoso, da ausência de transição que o fez pegar o leme do dia por outro em 1º de setembro de 2016, da oposição barulhenta e midiática, ainda havia o processo no TSE visando à cassação da chapa Dilma-Temer por caixa-dois na campanha de 2014. Por quase um ano, até 9 de junho de 2017, esta espada pairava acima da cabeça do ex-Vice. Enquanto o Brasil descobria atônito a extensão da pilhagem da Petrobras, o tribunal se ateve a prazos e conceitos, e Gilmar Mendes deu o voto salvador de Minerva.

Mas a preocupação já era outra. E vinha do Procurador Geral da República, que o tinha denunciado por corrupção passiva. Em 2 de agosto, por 263 votos a 227, a Câmara não autorizou o STF a julgar o Presidente.

Teto de gastos, reforma do Ensino Médio, reforma trabalhista, ministério da Segurança Nacional. Não foram poucas as mudanças promovidas em pouco tempo e em ambiente hostil. Mas a maior virtude do Governo Temer foi interromper uma trajetória econômica desastrosa. Inflação, taxa Selic e desemprego pararam de subir de mãos dadas. O círculo vicioso que os brasileiros amargaram nos anos 80 foi cortado.

Avaliado positivamente por números extremamente baixos nas pesquisas de opinião, o Presidente tentou até atacar um monstro de várias cabeças: a Previdência Social. O Congresso, vendo as eleições se aproximarem, deixou o assunto, a idade mínima, os privilégios, as pensões, os rurais, os servidores e os militares para o governo seguinte.

Os aplausos a Michel Temer na terça-feira, 1, quando ele entregar a faixa a Jair Bolsonaro, serão protocolares. Ele não chegou ao Planalto diretamente pelo voto popular (o que não retira nada de sua legitimidade), não caiu no populismo da moda, encerra sua carreira política e, mais grave, terá que responder à Justiça comum a partir de quarta-feira.

Alguns até profetizam um mandato de prisão, ao estilo Eduardo Cunha. Deixemos ao homem Michel Temer o direito de se defender das várias acusações, sem intolerância, mas também sem tolerância. Porém, ele permitiu que o Brasil passasse sem romper com a ordem democrática por uma das piores crises institucionais, em razão do ativismo inédito de vários setores da nação, e econômicas, pelos erros e fraudes cometidos pelas administrações anteriores.

No fim de seu mandato, afastando as paixões partidárias por um momento, desconsiderando os feitos do homem dos quais ele terá que responder, o Presidente Michel Temer talvez não mereça palmas. Mas um “Obrigado!”, com certeza.

Publicidade
Publicidade

Copyright ® 1999-2024 Notibras. Nosso conteúdo jornalístico é complementado pelos serviços da Agência Brasil, Agência Brasília, Agência Distrital, Agência Estadão, Agência UnB, assessorias de imprensa e colaboradores independentes.