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Magos do Recife

Tempos modernos com IA e TI deixam espaço para alquimistas e bruxaria

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Autor/Imagem:
Paulus Bakokebas - Foto de Arquivo/IA - Acervo Notibras

Dizem que o futuro chegou. Ele veste jaleco de nanotecnologia, digita em silêncio com dedos de silício e pensa mais rápido que mil bibliotecas queimando. A Inteligência Artificial tornou-se oráculo, assistente, escriba e confidente. O que antes se consultava nos astros, hoje se pergunta ao ChatGPT. A alquimia moderna é feita em nuvens — não as do céu, mas as da Amazon.

E, ainda assim, os bruxos não se calaram.

Entre as vielas quentes do Recife Antigo, persiste um sopro de magia. No Colégio dos Magos e Sacerdotisas — uma agremiação mais antiga que o código binário e menos compreendida que um poema de Drummond lido de trás pra frente — velhas figuras em mantos guardam segredos que algoritmo nenhum decifrou. Misturam raízes com metáforas, invocam deuses com incensos e cartas de tarô e ainda juram que certas respostas não cabem em Excel.

Eles olham para o mundo digital com a paciência de quem já viu muitos oráculos falharem. Sabem que, apesar da eficiência, há perguntas que só um silêncio bem entoado resolve. Enquanto um jovem programador tenta ensinar ética a uma IA, uma sacerdotisa dança com os olhos fechados no pátio do Colégio, interpretando sonhos como quem traduz códigos do inconsciente.

Afinal, o que é um bruxo senão um hacker da alma?

A tecnologia corre. Mas a magia caminha. Uma traduz, a outra intui. E talvez o grande segredo do nosso tempo não seja escolher entre uma ou outra, mas aceitar que até mesmo a IA precisa, vez por outra, consultar o tarô — nem que seja para descobrir que, mesmo com todos os dados do mundo, a incerteza ainda é quem dá ritmo à dança da vida.

No Recife, entre bytes e benzedeiras, o feitiço continua firme.

É certo que o mundo desliza os dedos na tela e chama isso de progresso. Chatbots fazem poesia, aplicativos preveem doenças, drones entregam pizza e o amor virou swipe. O feitiço é digital e os oráculos agora falam com voz de assistente virtual. Mas… e os velhos magos? Foram deletados?

Não no Recife.

Ali, entre a maresia e a memória das pedras, ergue-se o discreto — e jamais divulgado em GPS — Colégio dos Magos e Sacerdotisas. Fundado, reza a lenda, no mesmo ano em que Hermes Trismegisto teria enviado sua última carta ao futuro. O colégio permanece intacto entre cortinas de mirra, servidores desconectados e um silêncio mais eloquente que qualquer rede neural.

Nos corredores desse colégio, não há Wi-Fi. Mas há sabedoria armazenada em pergaminhos com cheiro de jasmim e enigmas. Os alunos — que não se matriculam, são escolhidos entre centenas de candidatos — estudam as confluências entre o espírito e o átomo, entre o algoritmo e o arquétipo.

Ali se ensina que toda Inteligência Artificial, por mais avançada, não entende um coração partido. Que a informação circula, mas só o mistério transforma. E que nenhuma tecnologia, por mais poderosa, substitui o olhar de uma sacerdotisa que, com um leve toque, sussurra a cura.

“Enquanto houver sombra, haverá magia”, diz um dos decanos do colégio, cujos olhos parecem carregar mais de mil telas, todas desligadas.

O Colégio não é contra a tecnologia. Ao contrário. Ele a observa com interesse — e uma pitada de ironia. Afinal, para eles, a IA é só mais uma manifestação do antigo desejo humano de fabricar deuses.

Sim, os tempos mudam. Mas há segredos que resistem ao 5G.

E no Recife, entre satélites e maracatus, ainda se acende vela ao lado do chip. Porque nem todo conhecimento se atualiza por software — e há sabedorias que só florescem no escuro.

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