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Ex-amigo do rei

Toffoli fica na marca do pênalti e Lula pune o ‘perdão de ocasião’

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Mathuzalém Júnior - Foto Antônio Cruz/Arquivo ABr

Amizade, amizade, meu pirão primeiro. Os eventuais negócios tentamos depois. Para cachorro morto a gente cospe no chão, dá três saltos para São Longuinho, faz três cafunés invisíveis na cabeça do Preto Velho, chora para Exu, evoca o perdão de Nossa Senhora do Judiciário e, como dizem os cariocas do subúrbio, sarta fora. Tudo isso para tentar exorcizar o amigo que um dia foi querido, mas que não serve mais.

Temos outro a quem amar. Didaticamente, o amigo que tira o outro do limbo corre o risco de, no fim do arco íris, ficar sem chão, ainda que, oportunamente, receba um pedido de perdão somente porque, da noite para o dia, virou Fênix, isto é, ressurgiu das cinzas.

Dizem os sábios que águas passadas não movem moinhos. Pode ser. O problema é a água mole batendo até furar. Nesse caso, é a velha história da volta, que é o melhor do tempo. Sem delongas, Jair Messias, Donald Trump, Arthur Lira, Rodrigo Pacheco, Davi Alcolumbre, Ciro Nogueira e Dias Toffoli jamais sonharam com a hipótese de uma terceira encarnação de Luiz Inácio presidente da República.

Pois o raio caiu novamente na Praça dos Três Poderes, surpreendendo até mesmo o mais otimista dos patriotas golpistas. A surpresa maior estaria por vir. Veio agora, com o lançamento da obra O Tribunal – Como a Suprema Corte se uniu ante a ameaça autoritária, de autoria dos amigos jornalistas Felipe Recondo e Luiz Weber.

Além de bastidores surreais entre Alexandre de Moraes e os generais que se opunham à urna eletrônica, o livro revela uma eloquente sugestão de Toffoli a Bolsonaro. Então presidente do STF, Toffoli teria sugerido ao ex-mito que não passasse a faixa presidencial para Lula e deixasse o país antes da posse. A ideia era evitar vaias ao presidente derrotado.

Perdão pelo sincericídio, mas, não importando os motivos do diálogo, tudo isso me leva a crer que, por anos, Lula da Silva conviveu e recebeu aconselhamentos de uma inteligência artificial e oportunista, daquelas que bate, morde, xinga, assopra e, se for preciso, alisa e ainda faz carinho. Em síntese, quem ama não mata.

Ao trabalhar para evitar que um fosse apupado, Toffoli impediu que o outro, a quem já chamou de chefe, recebesse democraticamente o que era seu de direito. Sobre as vaias, como dizia o empresário Vicente Matheus, quem está na chuva é para se queimar. Lá ele tinha de sair tosquiado.

No linguajar jurídico, o fato concreto é que, independentemente da relação fraterna de Bolsonaro e Toffoli, boa parte dos brasileiros lembra que o ministro do Supremo Tribunal é cria exclusiva de Luiz Inácio, de quem foi advogado junto ao Tribunal Superior Eleitoral e Advogado-Geral da União, função que o cacifou a uma das vagas do STF.

Para quem tem memória curta, mesmo depois do reinado nas hostes petistas, em 2019, o ministro Dias Toffoli negou pedido da defesa de Lula para que o então presidiário participasse do velório do irmão Vavá, que morreu de câncer em janeiro daquele ano.

Reeleito em 2022, Luiz Inácio recebeu o troco por meio de um embargo auricular durante a cerimônia de diplomação na Justiça Eleitoral: “O senhor tinha direito de ir ao velório. Me sinto mal com aquela decisão, e queria dormir nesta noite com o seu perdão”.

Até hoje, eu e as torcidas do Flamengo e do Corinthians não sabemos se o sono foi profundo, muito menos se Lula aceitou as desculpas.

Deixando de lado os entretantos, um dia, aqui mesmo neste espaço, escrevi que quem planta Tião Macalé jamais colhe Macunaíma. Na ausência de caminhos religiosos, a sugestão é se dedicar aos livros de autoajuda, principalmente aqueles que mostram variadas formas de o ser humano aceitar suas vulnerabilidades. Por razões que não vêm ao caso, recentemente reli a obra A Coragem Ser Imperfeito, da pesquisadora norte-americana Casandra Brené Brown. Entre as reflexões e citações de efeito imediato, me chamou atenção a afirmação de que é preciso coragem para ser imperfeito.

Mais interessante ainda é a dica para que aceitemos, abracemos e amemos nossas fraquezas. O mais importante é deixarmos de lado a imagem da pessoa que pensamos ser para aceitar a pessoa que realmente somos. Besteira esconder. Sem querer querendo, a literatura pune.

*Mathuzalém Júnior é jornalista profissional desde 1978

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