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Na cama

Tom Zé lança álbum com canções eróticas de ninar

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Julio Maria

Antes de tudo, é bom lembrar que Tom Zé nasceu nos recôncavos e convexos baianos de uma terra que um dia transbordaria seu prazer nos axés descarnados e nas lambadas maliciosas. Nos tempos de Tom, o sexo ainda era um diabo aprisionado. Vinha em forma de mulher vestida até embaixo, professora de piano, entregue apenas na imaginação de um menino tímido que descobria o mundo a cada tremor de uma ereção.

Assim se fez Tom Zé, querendo ou não, da mesma costela de Dorival Caymmi, do mesmo barro de Carla Perez. A força que o move sempre foi sexual. Sua música inquieta é feita de arranjos impulsionados por arroubos orgásmicos e sua criatividade tem recortes masturbativos. Em palavras mais publicáveis, sua obra está sempre tensa.

A criação de Tom Zé é filha do ato sexual. A ele não interessa nem o romance do pré nem a flutuação do pós. Com as ancas sob o longo vestido da professora de piano na imaginação, trata-se de um homem em constante erupção.

Assim se fez Canções Eróticas de Ninar, álbum que sai perto de seus 80 anos, a serem completados em 11 de outubro, e que será lançado dias 8 e 9 do mesmo mês no Sesc Pompeia. Produzido por Paulinho Lepetit, ele vem inspirado no erotismo, escancarando o que se escondia nas camadas subcutâneas. Canções Eróticas é um álbum de sexo explícito nos versos e no conceito, mas protegido das baixezas mundanas pela camisinha intelectual de um artista que foge do óbvio como o padre da prostituta. Aos 80 anos, Tom Zé não parece precisar do Viagra de um disco de regravações.

Sexo, a primeira faixa, é o abre-alas da festa profana concebida com fé e provocação. O primitivismo de sua música – Tom Zé é a vingança do quase cantor fazendo a quase canção – cresce nos detalhes. O que seria de Sobe ni Mim se fossem apenas ele e o violão? Mas o arranjo de força rock and roll, com a explosão do baixo de Lepetit rompendo panelas, sanfonas e berimbaus, dá impacto e sentido a uma letra tão profunda quanto o pensamento de quem está lá na hora h, anunciando a chegada do prazer. “Aí quí, caía aqui, aí cá, caía cá… cá”. Tom se baseia em uma matéria publicada na Revista JP, da colunista social Joyce Pascowitch, para compor Orgasmo Terceirizado e cria uma entusiasmada rusga entre as meninas da Universidade de São Paulo versus as estudantes da Faculdade Getúlio Vargas em USP X GV.

Dedo sugere às moças algo que, quando vem assim, sem a música, pode parecer um tanto gratuito. Na canção, ganha mais sentido. “Ô, ô, ô, moça assustadinha / ô, ô, ô, dedo com camisinha / ô, ô, ô, moça de pai zangado / um dedo engravatado / moça que tem receio / dedo até o meio / Pra moça que ainda tem medo / Um dedo que guarde segredo”.

Uma inspiradora dissecação do corpo feminino é feita em Por Baixo. “Por baixo do vestido / a timidez / Baixo da timidez, a seda fina / Baixo dela, uma nuvem de calor / Baixo desse calor, um perfume da China”. E, abaixo do perfume, mais descoberta: “Por baixo do perfume, a rede elétrica / Baixo da rede elétrica, os pelos / E por baixo dos pelos, as estradas / Que conduzem nos fios / Os teus arrepios / Manifestos em ois! e uis! e ais! / Lá onde a razão não chega mais”.

Tom Zé estava com a temática desse disco em mente há um tempo. Em 2014, chegou a apresentar um show no Bourbon Street com algumas músicas do repertório. Chegou a anunciar ao Estado que incluiria a canção Maria Bago Mole no disco, mas ela acabou não entrando. O show no Bourbon foi arrebatador em seu formato. Tom agia como se liderasse um talk-show, explicando a origem das letras à plateia com seu jeito professoral endiabrado. Se quisesse, poderia sair pelo País vendendo essa apresentação em paralelo aos shows convencionais.

Interessante sentir durante alguns momentos da audição do disco que o jeito Tom Zé de pensar música também pode cansar, desgastar, tornar a repetição da aventura ao desconhecido um terreno familiar, tirar o prazer do susto diante de um prato sofisticado por oferecê-lo muitas vezes. O imprevisível, quando repetido à exaustão, será um dia previsível e a surpresa, se tirada da cartola a cada compasso, não surpreenderá mais. O chão também é preciso, a calmaria reforça a tempestade. Mas pergunte a Tom Zé se ele, aos 80 anos de idade, sobrevivente das ancas da professora de piano e salvo um dia da invisibilidade eterna pelo músico David Byrne, está preocupado com isso. Sua música não nega fogo.

estadao

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