Em 1945
Vaga-lumes e os sabiás
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O ano era 1945 e eles eram jovens. Na capital paulista, o objetivo era o rádio. Naquele fim de tarde, a pequena Nair se viu frente a frente com Ana Eufrosina no elevador da rádio Record, no centro de São Paulo.
— Ana?
— Sim, Nair.
— Te ouço com o maior prazer.
— Eu também te vejo por aqui com alegria e encanto.
No térreo, foram ao café da esquina do Largo São Bento. Trocaram carinhos e fincaram amarras de uma longa amizade. Nair de Campos Motta e Ana Eufrosina da Silva.
— Ana, eu estou sem contrato e dei com a sombrinha na cabeça do diretor Humberto.
— Nair! Não foi uma boa atitude.
— Mas o Mário me defendeu e agora estamos os dois no olho da rua.
— Calma. Tudo vai dar certo.
Naqueles dias, as mulheres artistas de teatro e rádio ainda tinham na carteira profissional um registro absurdo de: Prostitutas.
Era um tempo de frágeis direitos e dolorosos compromissos mas Ana se compadeceu da pequena loirinha de olhos verdes e a apresentou ao seu marido, Francisco dos Santos.
— Prazer em conhecê-la.
— Todo meu, Francisco.
— Você é um colosso, mocinha!
— Bondade tua, Francisco.
Tempos depois, Nair, Ana e Francisco seguiam tocando a vida por ali por aquele pedaço ao lado do prédio da rádio Record de São Paulo. Sempre juntos.
— Nair? E o Mário?
— Sei não, Ana. Ele sempre fica me olhando na saída do trabalho na rádio, mas não fala nada, não faz nada.
— Sei…
Numa tarde de maio, véspera do aniversário de Nair, Ana mostrou uma letra de música dedicada a Nair. Recordando. Era do Mário. Foi o elo de um amor para eternidade.
Os anos se passaram e Nair casou-se com Mário e Ana com Francisco. Seguiram pela vida artística e fizeram sucesso. Nair, agora, seria a “A endiabrada Nhá Fia”; Ana, “Nhana, a sabiá do sertão”, Mário, “Motinha” e Francisco, o “Cascatinha”. Motinha e Nhá Fia e Cascatinha e Nhana fizeram história.
O céu aqui na Terra é mesmo feito de vaga-lumes de talentos e de circunstâncias. Seguiram parceiros para sempre.
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Gilberto Motta é escritor, jornalista e professor/pesquisador acadêmico. Nasceu num pequeno circo teatro no interior de São Paulo e nunca mais parou de viajar. Esta crônica integra o livro ainda inédito “Céu de Vaga-lumes: Andanças e Lembranças de Motinha e Nhá Fia e o Circo Imaginário”. Vive na Guarda do Embaú, pequena vila pesqueira no litoral Sul de SC.