Pastel sem recheio
Velho sem crise não pinta mais o sete, mas ainda borra os nove fora nada
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Depois que os mais novos inventaram o bate estaca no barranco, o atirei o pau na gata, o lambe trilho debaixo da ponte e o paticumbum prugurundum apoteótico, os mais velhos não só perderam a paz como foram obrigados a se matricularem em academias da moda para permanecerem atualizados acerca da colossal abundância dos tempos modernos. A alegria dos velhinhos começou a acabar com o fim do escurinho do cinema, onde a turma da bengala costumava verter água após um longo e tenebroso bate coxa imaginário.
Na verdade, era só um mela cueca digital, algo como um ilariê de trás para frente. Pior foi o fim da proibição do batimento de virilhas na penumbra do quarto da frente. Sem dó e nem piedade, os filhos desnaturados só admitem a conjuminância corporal, a popular saliência na terceira e quarta idade, nos aposentos destinados aos hóspedes, ou seja, no fim da casa. É um despautério filial, mas nada de anormal, considerando que o novo normal dos idosos exibicionistas é se sentirem extasiados gritando para a vizinhança ouvir que já foram bons nisso.
Como a vida lembra uma festa, na qual a gente se diverte, mas, no fim, tem de voltar para casa, foram-se as coisas boas e ficaram os modismos. Por exemplo, a excitação virou sinônimo de viagem transcendental. Hoje, chamam a mão naquilo de masturbação sociológica e aquilo naquilo se transformou em vuco vuco abestalhado. Sou de uma época em que raramente se entrava errado no banheiro feminino. Quando isso ocorria, era de bom alvitre, mesmo com a arma na mão, recomendar tranquilidade à senhora ou à menina, pois o bicho era brabo, mas estava em mãos masculinas sérias e honradas.
Jovens na idade, os meninos de hoje envelheceram no físico, na alma e nas partes pudendas, subjetivamente apelidadas de bolo sem fermento ou, na melhor das hipóteses, de pastel sem recheio. Prefiro os da minha idade. Apesar dos 60, 70, 80 anos, nos imaginamos com 18 primaveras quando ficamos pelados. Sem crises, atestamos 110 anos ao nos vermos no espelho ou nas ocasiões em que somos solenemente convocados para o comparecimento semestral ou anual. É aí que percebemos o quanto foi inútil o óleo de peroba.
Dessa descoberta surgiu a máxima do falecido humorista Dicró, para quem só cupim é que gosta de pau velho. É fato que nossos sonhos eróticos são reprises. Entretanto, jamais deixamos de sonhar. Às vezes, sonhamos até acordados. Deixamos de pintar o sete, mas, com alguma frequência, ainda borramos o noves fora nada. Ainda que se apresentem como vintages, falta maturidade aos velhinhos da atualidade. A maioria quer fazer do 69 uma idade eterna. Se dão mal. Normalmente acabam com fendas irrecuperáveis na rotatória. Invejáveis são aqueles que, mesmo doentes, mantiveram a sensibilidade.
É o caso dos senhorzinhos que, ao se descobrirem diabéticos, anunciam à família que, por ser um doce de pessoa, a rainha do lar está liberada do sexo. O problema é que eles não abandonam a prática fora da nobreza do lar. Para sorte das senhoras pudicas, Deus é justo e pune os velhos tarados. Nas noites do vale night, a velharada sai às ruas normalmente à procura de uma loura. Como hoje ninguém mais sabe quem é quem, frequentemente um idoso com o fio desencapado, mas com os olhos tapados, pega a loura errada, daquelas que em cima parece a Xuxa, embaixo lembra a Jovelina Pérola Negra, mas bastam alguns toques para dar de cara com o Toni Tornado.
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Wenceslau Araújo é Editor-Chefe de Notibras
