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Vantagens do tempo

Viver sem o medo de envelhecer é o melhor da vida

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Autor/Imagem:
Mathuzalém Junior* - Foto Tânia Rêgo

O primeiro fim de semana de dezembro e a possibilidade do mister Jorge Jesus retornar às bases rubro-negras me fizeram mudar temporariamente de ares. Disposto a não falar, pensar, ler, espirrar ou expirar política, despertei na manhã desta sexta-feira (3) decidido a viver o estilo low profile, aquele em que o background de tudo que acontece é simples, discreto, reservado, sem estrelismo e não exposto às matildes. É temporário porque, embora não seja do tipo festeiro sem causa, gosto de acompanhar de perto o vai e vem do caranguejal político do país. A chatice e a mesmice incomodaram. Com a necessidade de desopilar o fígado, desobstruir a alma e afrouxar o coração, optei por discorrer sobre o tempo, não o da ampulheta, mas o da vida.

A primeira das mudanças foi aposentar definitivamente a câmera rolleiflex e render-me ao zap zap, onde fui buscar alguma inspiração para a narrativa de hoje. Encontrei mais do que precisava. Bastaram algumas clicadas para perceber que minhas lembranças mais gostosas realmente são as da infância e as da juventude. De lá para cá, pouca coisa se criou, mas muita, muita coisa se copiou. As piadas, as tiras e os textos selecionados são quase todos de décadas passadas. Nada contra, pois permanecem atuais e engraçados. Por exemplo, de acordo com um desses zap zaps anedóticos, conseguimos rir, tossir, espirrar, fazer xixi e soltar pum tudo ao mesmo tempo. Parece brincadeira, mas é sério. É claro que, acima dos 70, 80, envelhecer torna a vida bem complicada.

Pois é justamente nessa quadra da vida que imaginamos saber e conhecer de tudo. Todavia, a contrapartida é que, simultaneamente, começamos a esquecer quase tudo. O Whatsapp me fez descobrir que o bom é que nessa idade não há mais necessidade de drogas ou bebidas alcoólicas para se ficar tonto. Basta levantar rápido. Fazer sexo então é o que há de melhor nesse período encantador da existência. Também de acordo com os zaps, ter um conluio sexual a partir dos 60 anos é muito mais excitante do que aos 18, 25 ou 32. Apesar da experiência, o povo da terceira idade nunca sabe se vai ter orgasmo, câimbras ou infarto. É do jogo. Também me fizeram lembrar que antigamente meu creme de corpo respondia pelo pomposo nome de Nívea. Hoje, atende pelo apelido de Cataflam gel.

Apesar da série de senões, fui informado que há coisas interessantes para quem, como eu, é do século passado. Tardiamente, aprendi que passar dos 50 anos é alcançar a idade em que não se precisa mais estar sarado. Se conseguimos ficar curados já estamos no lucro. Falando sério e sem ruborizar, posso garantir que, como os demais de minha época, na cama continuo não tendo limites. Noite passada cai duas vezes. Outro dia, fui doar sangue e a moça indagou quando tinha sido minha última relação sexual. É o fim do mundo. A gente vai ajudar e acaba humilhado. De qualquer maneira, como é bom passar dos 50, 60 ou 70 anos e perceber que seu corpo ainda é desejado. “Obrigado pela preferência pernilongo”. Na falta da velha e funcional bomba de flitz, melhor lembrar que dengue, chikungunya e zica jamais foram transmitidas pelas muriçocas de nossa convivência mais íntima.

Eram insetos mais parceiros, os quais, entre um e outra tapa para afastá-los, nos ajudavam a esquecer as ilusões e as dores de amores. Claro que melhor envelhecer do que morrer jovem. Dados da Organização Mundial da Saúde (OMS) revelam que o mundo tem atualmente 841 milhões de idosos, devendo chegar a 2 bilhões em 2050. Pela primeira vez, a população de pessoas idosas deve ultrapassar a de crianças com menos de cinco anos de idade. O envelhecimento da população se deve, principalmente, ao desenvolvimento da medicina, o que diminui os casos de mortes por doenças cardiovasculares. Junto com as responsabilidades vieram as dores físicas e as da alma, além das verdades dolorosas a respeito da existência. Nada, porém, que me impeça de continuar pensando na vida como a única que tenho.

Apesar da saudade dos tempos de dureza (o sentido é amplo), os mais velhos têm lá suas vantagens. Fora a aposentadoria, que nos obriga a reinvenções diárias, com a idade adquirida ficamos mais hábeis e conscientes de que o melhor da vida é não ter medo de envelhecer. Desenvolvi com o escritor e biólogo moçambicano Mia Couto a mais notória das habilidades: “Não penso na velhice, pois tenho medo de que a velhice pense em mim”. Com nosso poeta maior, Carlos Drummond de Andrade, aprendi que infância e velhice são as duas fases mais importantes da vida. Nelas, a felicidade se resume a uma caixa de bombons. Fui além com Jean-Jacques Rousseau. Aproveitei a juventude para acumular o saber. Hoje, após anos de aprendizado, faço bom uso dele.

*Mathuzalém Júnior é jornalista profissional desde 1978

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