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Luz vermelha no fim do túnel

Volta do voto impresso é coisa para derrotados

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Armando Cardoso* - Especial para Notibras

O efeito cascata da decisão de São Fachin sobre o Palácio do Planalto ainda não cessou. Ele deve atrasar, mas não atrapalhar a rediscussão do voto impresso, principal plataforma da campanha do capitão Bolsonaro à reeleição. Aliás, deixou de ser apenas plataforma e se transformou no único discurso capaz de ainda convencer apoiadores decepcionados com a condução federal da pandemia. Na verdade, para o governo não há e nunca houve pandemia. O que há são suspeitas nunca comprovadas sobre a insegurança das 450 mil urnas eletrônicas em estoque na Justiça Eleitoral. Puro mimimi, tititi e blá blá blá de quem já está a antevendo nuvens negras e grossas no horizonte vermelho da política. De qualquer maneira, o retorno de Luiz Inácio Lula da Silva ao cenário eleitoral alterou ou adiou uma iniciativa considerada pelo presidente da República como início da caminhada de sustentação dessa briga retrógrada, desnecessária e absurdamente onerosa.

Por absoluta falta de argumentos verossímeis, corretos e sustentáveis, parece que os bolsominions negacionistas de primeira e segunda hora – os de terceira e quarta já abandonaram o barco – deliberadamente melaram uma carreta agendada nas redes sociais e inicialmente marcada para amanhã (14), em Brasília, em favor da auditagem do voto. Embora sem confirmação, o adiamento ou cancelamento da manifestação pode ter sido causado por uma repentina inversão da ordem. A fim de não passar recibo do mimimi presidencial, quem sabe o bolsonarista menos radical não tenha decidido condecorar os criadores da urna eletrônica, engenhoca que, antes da Presidência, garantiu sete mandatos de deputado federal a Bolsonaro.

Venceu, não convenceu, mas, curiosamente, não questionou qualquer dessas vitórias. Ou seja, a dúvida de hoje sobre a lisura do processo eleitoral é mentirosa, mas fundamental para o futuro político de Jair Bolsonaro e seus apoiadores. Na pior das hipóteses, esse tipo de retrocesso poderia ser usado como desculpa para eventual vitória do adversário. Donald Trump tentou esse artifício na derrota para Joe Biden e, de todo poderoso, virou chacota mundial. Trump tentou e o capitão tenta – e tentará – uma revisão de narrativa para tentar justificar o injustificável. Não parece crível em um governo de numerosas e diárias incoerências. Duas delas – negar a letalidade da Covid-19 e estimular a degradação do meio ambiente, notadamente da Amazônia – já produziram efeitos devastadores e irrecuperáveis à sociedade e à nação.

A primeira gerou 11.363.380 infectados e 275.105 mortos pelo vírus, enquanto a segunda facilitou o desmatamento de 11.088 quilômetros quadrados de floresta, conforme dados recentes do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), em benefício de madeireiros, pecuaristas e garimpeiros. O resultado prático é que ambas isolaram o Brasil do resto do planeta e colocaram o país na macabra vice-liderança mundial do volume de óbitos decorrentes da pandemia. A terceira incoerência – talvez a mais grave – é fazer de conta que nada disso está acontecendo. Maquiavelicamente, o governo e seu rebanho vivem em órbita, habitam um ajuntamento de ilusões. Como diz um velho e coerente amigo, talvez seja caso de psiquiatria. A quarta e mais recente incoerência estava marcada para amanhã, quando ocorreria (?) a tal carreata pelo voto auditado.

A menos que tenha sido mais uma fake news de mau gosto, a iniciativa iria de encontro ao que o povo brasileiro tem hoje de mais sério e seguro: o voto eletrônico. Os que desdenham ainda não apresentaram uma única prova contra o sistema utilizado pela Justiça Eleitoral desde 1996. Tecnologia desenvolvida em casa e que encanta países, dirigentes e cientistas de todos os cantos da terra, a urna eletrônica até hoje só foi questionada pelos perdedores. Não é o caso, repito, do presidente Jair Bolsonaro, que há mais de 30 anos é eleito com votos contabilizados a partir do coletor eletrônico. Depois de Leonel Brizola e Gerson Peres (deputado paraense), que morreram sem comprovar qualquer um de seus rompantes contra a maquininha de votação, ressurge um discurso ultrapassado e que por semanas alimentou o ego e o espírito derrotados do magnata norte-americano e Donald Trump. Mesmo não explicando o inexplicável, Trump ameaçou, estimulou a invasão de símbolos nacionais e parou os EUA por uma recontagem que só confirmou seu fracasso eleitoral.

Mesmo antagônicos no processo de votação, Brasil e EUA estiveram umbilicalmente ligados nessa tentativa enganadora de subestimar a lógica. O sistema brasileiro é exemplo para o mundo inteiro, inclusive para os Estados Unidos, onde a votação ainda é em cédula e pelo Correio. Antes da implantação do sistema eletrônico, a apuração de milhões votos no Brasil consumia horas, dias e, às vezes, semanas. Como tudo era manual, erros e trapaças não eram incomuns. Portanto, além de inconstitucional e verdadeiro retrocesso, a volta do voto impresso seria um atentado ao sigilo das eleições. Reimplantá-lo significa voltar à era dos coronéis e do voto de cabresto. Não há nada mais a explicar sobre a segurança do voto.

Parece debate de bêbados, mas, recém-eleita para a presidência da CCJ da Câmara, a deputada Bia Kicis (PSL-DF) não perderá a oportunidade de repautar a PEC do voto impresso para agradar o chefe. Com apoio do presidente da Casa, deputado Arthur Lira (PP-AL), ela faz parte da claque que começa a enxergar luzes vermelhas no fim do túnel. Como revelei semana passada, se há dúvida chamem o moço que ajudou a criar a urna eletrônica. Apesar de sua oportunista adesão ao bolsonarismo, seus livros e inúmeras entrevistas hospedadas no Google confirmam o que negam Sua Excelência e seus seguidores. Fazendo minhas algumas antigas, coerentes e lógicas teses do ministro Nelson de Azevedo Jobim, definitivamente o seguro sistema brasileiro não precisa de voto impresso. Cheio de mazelas insolúveis, o que o Brasil realmente precisa é de voto sério em candidato capaz.

*Armando Cardoso é jornalista

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