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Alimento estragado só gera dano moral se consumidor ingerir

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A jurisprudência não é recente. Desde 2001 entende o Superior Tribunal de Justiça, majoritariamente, que a não ingestão do produto alimentício impróprio ao consumo não é capaz de gerar dano moral. Isso porque a simples aquisição do bem não traz sofrimento físico ou psicológico ao comprador.

Em caso recente julgado pela corte, o consumidor adquiriu uma lata de extrato de tomate e após utilizar mais de 50% do produto, descobriu no fundo do recipiente um corpo estranho. Sem consumi-lo, encaminhou ao Instituto de Criminologia Carlos Eboli no Rio de Janeiro, onde restou comprovada a presença de colônias fúngicas capazes de causar graves danos à saúde de quem ingerisse o alimento.

Contudo, mesmo diante do laudo e do risco concreto à saúde do consumidor, o Superior Tribunal de Justiça afastou a hipótese de dano moral.

A discussão, entretanto, ainda encontra controvérsia dentro STJ. A ministra Nancy Andrigh entende que há dano moral ainda que não haja a ingestão do produto, como no precedente REsp 1.317.611/RS , de sua relatoria, não obstante reconhecer a existência majoritária em sentido oposto. Nas palavras da ministra:

“Ao contrário do que supõe o recorrente, o abalo causado a uma dona de casa que encontra num extrato de tomate que já utilizou para consumo de sua família, um preservativo aberto, é muito grande. Isso é do senso comum. Perfeitamente natural que, diante da indignação sentida numa situação como essas, desperte-se no cidadão o desejo de obter justiça […] De resto o valor arbitrado pelo TJ/RS, mantendo a sentença que fixara a indenização em R$ 10.000,00, é módico e não carece revisão, notadamente considerando que há, nesta Corte, precedente no qual a indenização foi fixada em R$ 15.000,00, para hipótese muito semelhante […]”

Não é difícil discordar do posicionamento majoritário do Superior Tribunal de Justiça e filiar-se a corrente minoritária liderada pela ministra Nacy Andrigh.

A política nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores no que toca a sua dignidade, saúde e segurança.
Trata-se de um princípio o dever governamental de proteger efetivamente o consumidor, garantindo produtos e serviços com padrões adequados de qualidade, segurança, durabilidade e desempenho. É a exegese que se extrai do artigo 4º, II, d, da Lei 8.078/1990.

Não obstante, a proteção à vida, saúde e segurança do consumidor é afirmado como direito mínimo, do qual se espera que o estado empenhe-se em garantir.

Quando um fabricante de produto alimentício coloca no mercado de consumo uma mercadoria imprópria para o consumo, contendo substância tóxica ao organismo humano, não se trata de mero aborrecimento, mas de risco concreto à saúde, ainda que não haja a ingestão.

Hipótese em que se caracteriza o defeito do produto (art. 12, CDC) em clara infringência ao dever legal dirigido ao fornecedor, previsto no art. 8º do CDC, ensejando a reparação por danos patrimoniais e morais (art. 6º do CDC).

Diferente de um produto in natura, a mercadoria industrializada só tem o seu estado de qualidade apurado na casa do consumidor e em momentos antes da ingestão, pois a maioria das embalagens são opacas, como caixas de papelão ou latas de alumínio.

O vício flagrante, como odor e aspecto anormal, posto que de fácil percepção, estão em outra esfera, sendo possível o consumidor proteger-se. Nos demais casos, por sorte, não há a ingestão do produto contaminado, o que não afasta o risco.

Não é aceitável que o judiciário espere que o efetivo dano à saúde ocorra para indenizá-lo, se a política das relações de consumo é justamente oposta, no sentido de evitar a concretização deste dano.

Trata-se do núcleo “proteger” presente em diversos artigos e no título do diploma consumerista. Convém afirmar somente para fins de retórica, posto que obvio, não se protege ninguém após o prejuízo ocorrido, mas antes. E notoriamente não é o papel de protetor que o estado, na figura do judiciário, está assumindo.

Ao negar a justa indenização ao consumidor que diante do produto imprestável se vê exposto ao risco iminente a sua saúde, a Corte vai de encontro ao fomento que pretende o Código de Proteção e Defesa do Consumidor, que trata como princípio o aperfeiçoamento de produtos e serviços, visando a proteção à saúde e segurança.
Não significa que o fabricante industrial não possa falhar, posto que não há perfeição em qualquer setor da sociedade, mas que essas falhas sejam minimizadas ao máximo e não serem tratadas como regra.

A indenização é o “incentivo” às indústrias para que aperfeiçoem sua linha produção de maneira a garantir produtos efetivamente de qualidade. A sua ausência, por sua vez, causa o efeito contrário, indesejado por consumidores e pela Lei.

Referências: REsp 1328916 / RJ ; AgRg no AREsp 489325 / RJ e REsp 1.317.611/RS

Gustavo Jansen S. Costa

Advogado do escritório Roveda Sociedade de Advogados – www.roveda.net.br

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