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Crise se aprofunda e classe média começa a passar fome na Venezuela

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Carlos Hernández

Somos todos profissionais ou tentando nos tornar profissionais, e não sabemos o que vamos comer amanhã.

Recentemente, eu estava conversando com alguns vizinhos no corredor do edifício onde moramos, um dos predinhos turquesa de um complexo misto residencial e comercial nesta cidade da região nordeste da Venezuela, supostamente um modelo de urbanização.

Decidimos fazer chá juntando recursos de nossos quatro apartamentos. Não conseguimos arrumar açúcar o suficiente. Alguém tinha abacaxi congelado e cascas de maracujá, outro alguém ferveu a água.

Todos trouxeram suas próprias xícaras, cada uma com uma estampa diferente. A minha, com o desenho de uma vaca, era a mais feia. Sentamos no chão do corredor do lado e fora, à sombra de uma grande mangueira.

A infusão ficou surpreendentemente saborosa, considerando os ingredientes. Um dos caras disse: “É, e ajuda um pouco a matar a fome.” Esse é o Manuel. Ele é estudante de direito e o mais novo do grupo. Ele um dia foi musculoso.

Meu irmão, um advogado que um dia já teve pescoço grosso, assentiu com a cabeça. “Não temos nem mesmo as mangas para complementar o jantar”, ele disse. Olhei para a árvore. Nós moramos no terceiro andar, então sempre conseguimos pegar os frutos mais altos com relativa facilidade. Quando estão na época, geralmente sobram. Este ano, a árvore já está pelada.

“É melhor ir dormir para não sentir fome”, disse María, uma advogada que trabalhou como imigrante ilegal em um restaurante na Espanha, mas que voltou depois de dois meses, horrorizada com as condições de trabalho no país. Eu disse: “Faça isso e vai acabar sonhando com comida.”

Eu falava por experiência própria. Enquanto tomava mais um gole do chá, lembrei daquela vez em que, depois de assistir a um episódio de “Game of Thrones”, sonhei com um banquete medieval, com um leitão enorme no meio da mesa, vários bolos e hidromel. Em outras vezes, sonhei com um supermercado que tinha todas suas prateleiras cheias. Isso normalmente acontece depois de passar um longo dia na fila debaixo do sol em alguma loja, esperando pela chegada de um caminhão de entrega.

Café e leite se tornaram artigos de luxo para mim alguns anos atrás, mas a escassez realmente assustadora, de itens como pão e frango, atingiu minha casa de classe média no começo deste ano. Houve uma semana em que tive de escovar os dentes com sal.

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