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Crocodilo que se preza mantém a postura e engole os pioneiros de araque, diria Jorge Martins

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José Escarlate

Muitos dos que se dizem pioneiros de primeira hora, só chegaram por aqui a partir dos anos 70. Não comeram a poeira dos primeiros dias, não precisaram brigar por casas ou apartamentos, não lutaram por um emprego.

Vinham com tudo arranjado, apartamentos já decorados, alfombras – como dizem os argentinos ao se referirem aos tapetes – e com cortinas, além de móveis da Mainline. Empregos garantidos em gabinete com ar refrigerado e outras bossas, além de muita mordomia.

Um velho amigo, companheiro da jornada heróica de Brasília foi o Jorge Martins, que sempre se revoltou com o pioneirismo dos aproveitadores. Jorge Martins viveu muitos anos entre nós como o Crocodilo, famoso da capital.

Crocodilo lembrava o que surgia de gente “fantasiada de pioneiro” nas proximidades de 21 de abril, aniversário de Brasília E criticava afirmando ser “uma atitude até injuriosa aos homens e mulheres que realmente ajudaram a erguer a cidade”. Muitos baixaram por aqui em 1956, quando caminhões e tratores faziam o maior movimento de terra de que se tem notícia, numa cidade com avenidas ainda não definidas.

“A seleta primeira relação – assinala ele – era realmente constituída por pessoas que chegaram a Brasília em 1957 e 1960. E até um pouco antes. Depois vieram outros tantos, que pertenciam ao chamado grupo secundário da mudança da capital para Brasília. Daí para a frente, aconteceu um verdadeiro estupro dessa condição. Mesmo no Clube dos Pioneiros, existem “pioneiros” até das décadas de 70 e 80”. Sou do grupo de 58/60, que à época eles chamavam de “piotários”, aqueles que comeram muita poeira vermelha, barro, lama.

Era a época heróica da cervejinha e da soda limonada no Mocambo. A caminhada seguinte era uma esticada na Cidade Livre e bater papo com as “primas”, que a todos encantavam, nos cabarés Night and Day e Tiroleza”. Naqueles tempos, segundo o Jorge Martins, a média constatada de mulheres em Brasília era de uma para cada grupo de 70 homens, o que não é mole.

“Programa social, de fato – dizia – só havia dois. O da boate do Brasília Palace, sextas e sábados, que era mais sofisticado, ou ao dancing da Caixa Econômica Federal, num barracão improvisado nas imediações da W-4 Sul”.

Era a chamada Casa Preta, muitas vezes frequentada pelo arquiteto Oscar Niemeyer e os engenheiro que ajudaram a construir esta cidade. “No mais, tome Night and Day e tome Tiroleza!” E por aí vai.

Revoltado, Crocodilo não aceitava que pegassem carona na nossa história, se dizendo pioneiros. “São pioneiros de araque. São, sim, oportunistas, e olhe lá”.

De uma feita, o Jorge Martins, nos tempos do Correio Braziliense, me fez locutor oficial do estádio Mané Garrincha, nos tempos do então diretor Takeshi Koressawa.

Vida que segue, muitas vezes ia com a turma da Agência almoçar, aos domingos, no restaurante do Hotel Santos Dumont, na Cidade Livre. A casa era de madeira, mas servia uma comida italiana da melhor qualidade. Coisa caprichada, principalmente para quem é neto de italianos e estava comendo a poeira do cerrado, como eu. Comando do Mario Canevari, um milanês de boa cepa, com a inestimável ajuda da Dona Teresa, também italiana, e que pilotava o fogão. Ambos, a bem da verdade, adoravam um papo, uma boa prosa. E jornalista também gosta muito de jogar conversa fora. Assim, o almoço se estendia até o escurecer.

Pouco depois da inauguração da capital, eles resolveram mudar o ramo de negócio. Passaram o restaurante adiante e decidiram trabalhar tão somente com material de construção. Brasília chamava para isso. Era um imenso canteiro de obras e a venda de material de construção, além de mais rentável, não gerava prejuízo causado por falta de freguesia ou por produtos estragados, no caso da comida. Dava menos trabalho e mais lucro ao casal. Como costuma dizer o nordestino, no seu linguajar diferente e simples, “seu Mario e Dona Teresa enricaram rápido”.

Quanto mais tempo circulávamos pelos canteiros de obras, novos conhecimentos eram feito. E isso me valeu bastante.

PV

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