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Ex-guardinha

Puxando de volta ao Quilombo, já com um século de vida

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Aureliano Lopes dos Reis, 104 anos, trabalhou na construção da BR-040 e de Brasília, no final dos anos 1950 e começo dos 1960. “Por esses longes todos eu passei, com pessoa minha ao meu lado, a gente se querendo bem. O senhor sabe? Já tenteou sofrido o ar que é saudade? Diz-se que tem saudade de ideia e saudade de coração… Ah. Diz-se que o Governo está mandando abrir boa estrada rodageira, de Pirapora a Paracatú, por aí…”.

No fim dos anos 1950, o então presidente Juscelino Kubitschek levava à frente seu plano de construir uma nova capital no Planalto Central. A aventura desenvolvimentista contagiou parte dos políticos, empresários e intelectuais que, no ímpeto, viram o segundo maior bioma do País como algo ligado à melancolia e à solidão. “No princípio era o agreste: o céu azul, a terra vermelho-punjente/ E o verde triste do cerrado”, destaca a letra de Brasília, Sinfonia do Alvorada, de Vinicius de Moraes.

O entusiasmo de Juscelino alterou a vida de uma parcela significativa dos moradores do Grande Sertão. Aureliano Lopes dos Reis, de 104 anos, largou a agricultura e o garimpo em Paracatu para trabalhar na construção do trecho da BR-040 que ligava Belo Horizonte a Brasília. Ele chegou à nova capital com o asfalto. Na cidade em obras, morou no Morro do Urubu, na Invasão do IAPI e no Curral da Égua, núcleos de moradias improvisadas de trabalhadores dos prédios do Plano Piloto.

Aureliano trabalhava nas obras e, em momentos de folga, vendia milho assado. “Eu comprava milho no (Núcleo) Bandeirante e vendia no cinema, na feira do Cruzeiro. Assava espiga e vendia”, lembra. “Fiquei nove meses pregando taco no Banco do Brasil. Aí, fui trabalhar em condomínio na W3 Sul, quase dois anos ou mais. Fiquei ainda um tempo de guarda no Banco do Brasil.”

Antes mesmo de ser inaugurada oficialmente, Brasília já tinha 64 mil moradores em situação precária. Em 1970, Aureliano e outros moradores de invasões foram transferidos pela Campanha de Erradicação de Invasões, a CEI, para uma cidade-satélite recém-construída, a Ceilândia. Era o início da cidade que hoje é a mais populosa do Distrito Federal. “Ganhei lote na Ceilândia. Fiz um barraco lá. Mas a mulher não quis ir.”

Aureliano voltou à comunidade de São Domingos, em Paracatu, Minas Gerais, para recriar o quilombo dos ancestrais e recuperar tradições dos negros do município. A mulher, Luísa, e as três filhas continuaram no sítio do noroeste mineiro. Em 1977, Aureliano viveu um dos momentos de maior emoção em Brasília: o velório e enterro de Juscelino Kubitschek. Uma multidão acompanhou o carro com o corpo da Catedral de Brasília, na Esplanada dos Ministérios, até o Cemitério Campo da Esperança, no final da Asa Sul. Ele lembra que a imagem do ex-presidente foi projetada num telão para a multidão ver. “Pegaram ele, puseram num quadro no mode de um espelho e de longe a gente via, no retrato.”

Com a aposentadoria, Aureliano voltou a Paracatu, mais precisamente à comunidade quilombola de São Domingos, onde nasceu e foi criado em meio às festas religiosas e à caretada, dança em que homens usam máscaras na véspera de São João, em junho. Lá também tocava xique-xique, um instrumento musical. “Nasci aqui neste quintal no dia 16 de junho de 1912. Meu pai não conheci. Quando ele morreu, eu estava com três meses de nascido. Morreu de coração. Minha mãe morreu com 90 e poucos anos. Meu avô, Pedro Noronha, morreu com 110, morava ali”, conta. O avô foi escravo. “Hoje toda cidade aumentou muito.” Ele avalia que o segredo da longevidade está na alimentação. “Naquele tempo, a vaca tinha tempo para engordar. Hoje, em quatro dias estão matando a vaca.”

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