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Disputa da cumeeira entre Iapb e Ipase acabava sempre em rojões com JK sorrindo

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José Escarlate

A construção civil guarda, até hoje, a tradição da festa da cumeeira, por ser a conclusão da fase inicial de uma obra. A colocação da cumeeira, geralmente feita de madeira de lei, sempre se revestiu de um cerimonial quase que sagrado.

No caso particular das obras em Brasília, a madeira de lei foi substituída pelas grandes lajes de cimento, mas mesmo assim o simbolismo era mantido. Ramos verdes de árvores anunciavam o feito aos quatro ventos. Flores e panos coloridos, içados como bandeiras, fazendo parte do ritual. O sinal de que a obra entrara em sua fase decisiva era marcado por foguetes que espocavam no ar.

Cumeeira que se prezasse teria, obrigatoriamente, comida e bebida à vontade para os peões da obra. “A festa, em si, é mais do coração do que do estômago” – dizia o companheiro Clemente Luz. Manuel Mendes, que foi meu companheiro no Correio Braziliense, também chegou cedo ao sítio da nova capital. Veio, transferido, como almoxarife do Ipase, que iniciaria a construção das Super Quadras Sul 206 e 208. A quadra 207 foi esquecida, ficou na saudade, só vingando 10 anos mais tarde.

Em Brasília, era intensa a disputa para ver quem conseguiria erguer o primeiro prédio de apartamentos e realizar a festa da cumeeira inaugural da capital em formação. Dois concorrentes lutavam pela primazia. Lutando pau a pau, mais concreto e tijolos, estavam o Ipase e o IAPB, que era comandado pelo Dr. Rubens e pelo Lelé. O primeiro foguete saudando a cumeeira vitoriosa espocou na 108 Sul, na rua da Igrejinha, justamente no bloco K, em frente ao Eixo Rodoviário. “O dotô Rubis ganhou a pendenga” – diziam os candangos.

Aí, começou o foguetório. Os rojões espocavam pelo céu de Brasília, cada dia mais bonito. Era o sinal para uma grande festa que se avizinhava. A vitória do IAPB, que colocou nas torres do bloco K as tradicionais folhas de palmeira que tremulavam ao sabor do vento frio do Planalto Central foi contestada pelos engenheiros do Ipase. Alegavam que o IAPB usara de artifício para alcançar o topo do prédio, de seis andares. Ao invés de concretarem todas as lajes, seguidamente, fora usada forma pouco recomendável. Armaram uma laje sim, outra não. Com isso chegaram à cumeeira com apenas quatro lajes concretadas.

Junto aos pilotis do bloco, uma grande festa já estava montada e a fumaça indicava um churrasco monumental, que teve inclusive a presença do presidente Juscelino Kubitschek, todo sorrisos, como sempre.

A verdade é que o engenheiro pernambucano, José Ferreira de Castro Chaves, o Juca Chaves, responsável pelo nascimento do Catetinho e que ajudava a tocar as obras, foi o idealizador da nova tática. O clima de Brasília era mais ou menos como hoje. As estações se dividiam entre a seca absoluta e chuvas torrenciais. Residia aí o primeiro desafio da equipe do IAPB: cobrir as obras antes da chegada das chuvas. A solução foi dada por Juca Chaves. Os prédios do IAPB seriam construidos de dois em dois andares. O primeiro, terceiro e quinto andares, até atingir a cobertura do sexto andar. Com o prédio pronto e protegido do aguaceiro, seria então preenchido o “miolo”.

Tempos depois, comandando as obras de um conjunto de casas na W3 Sul, o arquiteto João Filgueiras, o nosso querido Lelé, aprimorou a técnica inovadora e despertou a curiosidade de Juscelino Kubitschek. O presidente chegou a visitar as obras, depois de ouvir que, em alguns trechos de Brasília, os prédios eram feitos “de cima para baixo”. Primeiro, o arquiteto erguia delicadas estruturas de sustentação e, então, as cobria. Depois, cuidava da parte interna. O resultado foi mantido, mas o Ipase não demoraria a dar o troco. O IAPB perdeu para o Ipase a conclusão da primeira alvenaria completa de um bloco. A glória coube ao bloco C, da Super Quadra 208 Sul. O feito está registrado em placa de bronze colocada junto aos pilotis do bloco, marcando a conquista.

Naquela fase pioneira de Brasília havia muita competição, desde o comércio até os fazedores de obras. Cada um tocando o seu trabalho, sempre com muita garra. E foi essa garra, impulsionada pelo entusiasmo do presidente JK, que fez com que Brasília pudesse ser inaugurada na data pré-determinada por ele, superando os entraves da oposição.

PV

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